sábado, 25 de agosto de 2007

ASTANA E PROPÍLIA

Estão construindo uma cidade babilônica no norte do Cazaquistão, com projeto do renomado arquiteto japonês Kisho Kurokawa. Os cazaques (“cavaleiros das estepes”) devem ter sua nova capital pronta em 2030. Dinheiro parece que não é problema. O presidente Nursultán Nazarbáev, como Chávez, deita e rola no lucro do petróleo que jorra dos fartos úberes do Mar Cáspio.

Inumeráveis governantes, de Nabudonosor a Mussolini, sempre cederam à tentação de eternizar seu nome por meio de obras de grande impacto, inclusive cidades. Eles se comprazem em fazê-las brotar em locais ermos, inóspitos, inesperados. Camberra, na Austrália; a Chandigarth de Le Corbusier, na Índia; e a Brasília de Niemeyer são exemplos de cidades que nasceram em pranchetas de escritório.

Mas o Cazaquistão agora chega a desafiar os deuses. A nova Astana surge numa região cuja temperatura atinge extremos de 40ºC, no verão, e -40ºC, no inverno. Não sei como pode haver pessoas dispostas a suportar uma variação térmica de 80ºC. É como viver numa montanha-russa. Mesmo assim, prevê-se que Astana abrigará mais de 1 milhão de habitantes em 2012.

Nazarbáev desviou o curso do Rio Ishim para ter o seu Tâmisa. Construiu um suntuoso palácio presidencial, Ak Orda, que imita a Casa Branca. E plantou uma floresta para desviar os ventos gelados das estepes de sua ousada Astana, que na verdade é um risoto de prédios em diferentes estilos. Pirâmides espelhadas convivem com trombudos edifícios residenciais que, como na Rússia stalinista, têm aspecto de penitenciária.

Não sei quanto vai custar a esbórnia urbanística de Nazarbáev. Também não sei (ninguém sabe) quanto petróleo resta nas entranhas da Terra. Já soube, não lembro, quanto custou a construção de Brasília. Naquela época, o sorriso aberto de Juscelino Kubitschek avalizava qualquer extravagância, mesmo que se tratasse de uma nova capital nos cafundós do cerrado. Eu era guri.

Cresci um pouco. Fiquei sabendo que Brasília (hoje eu a chamaria de Propília, capital da propina) foi o estopim da nossa dívida externa. De alguma forma, ajudou a colocar a economia brasileira numa montanha-russa. Tivemos de nos habituar ao sobe-e-desce, como os cavaleiros das estepes suportam os extremos do clima.

sábado, 11 de agosto de 2007

DINA SFAT, UMA RECORDAÇÃO

Não é fácil convencer uma adolescente de que ninguém sobrevive comendo três folhas de alface por dia. Os ditames da elegância são tirânicos. O shopping é o Kremlin. Essas meninas nem desconfiam.

Querer ser que nem os esguios manequins das vitrines, imutáveis e sem celulite, não passa de uma quimera. Na idade delas, também ansiávamos por um socialismo enxuto que só existiu mesmo na vitrine de alguns países. Mas como demonstrar a um adolescente que as coisas não são o que parecem ser?

Um dia desses, numa estação do metrô, minha filha e eu deparamos com uma frase de Machado de Assis: “Há mulheres elegantes e mulheres enfeitadas”. Ficamos certo tempo discutindo o assunto. Aí me saí com esta, desculpem:
> Mulher enfeitada é aquela que quer se parecer com as outras, e mulher elegante é a que quer se parecer consigo própria.

Quando disse isto, eu pensava naqueles sapatos bicudos, talvez de inspiração medieval, que as mulheres de hoje exibem em ocasiões formais. Informalmente, diz-se que se prestam para matar baratas nos cantos da cozinha. Não sei, mas calçá-los deve ser uma tortura. Duvido que alguma mulher os usasse se não fosse porque as outras também usam. Mais fácil seria acreditar que comer alface é a melhor coisa do mundo.

Como minha teoria metroviária não faz jus à sagacidade machadiana, decidi que só com um exemplo concreto eu conseguiria explicar a minha filha o que entendo por elegância feminina. Pensei em Sophia Loren e Claudia Cardinale. Mas não ousei abrir o baú. Limitei-me a recordar, com o silêncio dos inocentes, como era duro escolher entre aquelas duas, nas noites solitárias da minha adolescência, quando por sob as cobertas aprendi a pôr em prática (diria Machado) a verdadeira afinidade entre a mão e a luva.

Então pensei em nomes de hoje: Laura Morante, Isabelle Huppert, Diana Krall... Mas todas estão distantes da Terra Brasilis. Até que me veio em mente a figura saudosa e esbelta de Dina Sfat. Eis o exemplo prático capaz de confirmar qualquer teoria sobre a elegância feminina. Mesmo uma feita às pressas, dentro do metrô.