quinta-feira, 15 de maio de 2008

PARA ENTRAR NO CLIMA

Nunca antes neste país as coisas foram tão iguais ao que sempre foram. Em ano eleitoral, temos de aturar um monte de baboseiras. Leo Vázquez diz que, se voltarmos ao absolutismo, será mais barato sustentar a família real do que uma corja de políticos.

Bem, cada partido deve ter lá seus cinco por cento de pessoas dignas, capacitadas, mas nunca as veremos reunidas numa mesma agremiação. A banda limpa não é um fenômeno ideológico, mas estatístico. As pessoas são como são, e fazem o que fazem, com base em duas variáveis: o que têm a ganhar e o que têm a perder.

O resto é um baile de máscaras. Arlotões, javardos, labregos e lambuças surgem no vídeo como figuras da mais alta relevância. No plano internacional, arre! Nunca antes neste planeta a coisa esteve nivelada tão por baixo como agora. Bush, Chávez, Lula, Berlusconi, Putin, a lista vai longe. No tempo do forde-de-bigode, acredita Leo Vázquez, esses sujeitos não dariam nem para zapatero do rei Juan Carlos I. Não se refere ao sangue azul, diga-se, mas à postura pública e à qualidade intelectual.

No Brasil, há pelo menos vinte anos (uma geração) tucanos e petistas disputam a rapadura. A diferença entre eles é mais ilusória do que real. Torrar empresas estatais a preço de banana ou, ao contrário, mantê-las para abrigar cupinchas, povoar de aspones, são ambas formas de rapinagem, direta ou indireta. Quando ouço petistas e tucanos trocando farpas ou insultos, recordo Alain-Fournier: “O que os partidos políticos dizem uns dos outros é justamente o que eu penso de todos eles”.

Daqui a alguns meses, eleição. E aquele dilema, de novo. Chega uma hora que cansa essa história de ter de votar sempre no menos pior. Recordo-me do quanto a gente torcia (só isso, no meu caso) nos anos negros para que prevalecesse um general menos linha-dura. Sabendo, no fundo, que tudo aquilo era a mesma porcaria.

Não é de admirar que os jovens de hoje estejam tão descrentes da política. Eu não saberia o que dizer a eles. Mas Leo Vázquez acha que os jovens deviam fazer, tipo assim, um panelaço (que nem na Argentina) pelo voto voluntário. Quem sabe fosse o começo de algo novo. Ao menos depois poderiam dizer que isso não havia sido feito nunca antes neste país.

domingo, 4 de maio de 2008

A MENINA, O PADRE E A MÍDIA

Outono de 2008. Uma menina de 5 anos é jogada do sexto andar. Um padre de 41 anos pendura-se em mil balões e some nas nuvens. O mundo está ficando como o diabo gosta.

Ou como a mídia gosta. Ela sorveu até a última gota a tragédia de Isabella Nardoni. Era como se até o cachorro do pipoqueiro da esquina tivesse algo de relevante a declarar ao povo brasileiro.

Contam que um fotógrafo da velha guarda do jornalismo guardava uma boneca na gaveta para quando o chamassem a cobrir desastres aéreos. Então a levava para fotografar em primeiro plano, junto aos destroços do avião. A vendagem do jornal ia às nuvens.

Se o lado trágico foi exacerbado no caso de Isabella Nardoni, ao do padre Aderli de Carli restaria um timbre burlesco. Era a necessária descompressão emocional para quase um mês de celebração do martírio infantil. Ninguém agüentava mais. Mas todo mundo queria mais.

Para a mídia, a aventura (midiática) de um padre que subia aos ares em mil balões coloridos era uma história que – permitam-me a expressão – caiu do céu. Um conto de García Márquez prontinho. Era só mandar o repórter chegar antes do outro repórter.

O epíteto que coube a Aderli de Carli, “padre voador”, já traz embutido o caráter jocoso que se impingiu à sua desditosa aventura. Tivesse ela dado certo, e o padre estaria nas bancas de revista e programas de auditório. Talvez até em palácios e palanques. É assim que funciona. Não duvido que revistas masculinas já não estejam pensando em sondar alguma das mulheres que ganharam notoriedade com a tragédia do Edifício London. Nada como um dia depois do outro.

No que andei lendo (não muito) sobre Aderli de Carli, senti falta de referência a um outro “padre voador”. No século XVIII, o jesuíta Bartolomeu Lourenço de Gusmão também concebeu ousados projetos aerostáticos. Saramago o celebra numa obra-prima, Memorial do convento (1982). Mas pouco se fala dele no Brasil. Nem mesmo em São Paulo, que abriga seus restos mortais na Catedral da Sé.

Para Santos Dumont, tudo. Para Gusmão, nada. Para a Isabella defenestrada, o estrelato. Para a Isabella desnutrida, a estatística. Às vezes me parece que a mídia, a exemplo do padre Aderli de Carli, também se pendurou num monte de balões coloridos. E voa para o oceano.