domingo, 24 de agosto de 2008

O BONDE E O ZEPELIM

Mais de 40 cidades americanas redescobrem as vantagens de um sistema de bondes nas ruas centrais. Na Alemanha, a empresa Zeppelin, que entre 1908 e 1937 produziu 119 dirigíveis na região de Friedrichshafen, pretende retomar a produção em larga escala.

O século XXI parece ensaiar um revival de tecnologias de transporte tidas como obsoletas. No caso do zepelim, banido após a tragédia com o Hindenburg, em 1937, os novos não se destinariam mais a linhas regulares de passageiros, mas ao turismo, publicidade, transmissão de eventos, monitoramento ambiental e
de redes elétricas, observação de multidões, prevenção de atos terroristas, pesquisas científicas e até como ocasionais substitutos dos helicópteros.

É curioso ver que o mesmo bife do almoço pode nos ser servido, à milanesa, na hora do jantar. Agora são os jovens que andam com mania de discos de vinil. Mas, quando se trata de tecnologia, e não de modismos, o revival custa caro. Custaria menos se o tradicional não fosse descartado de modo sumário.

Sociedades sensatas arranjam maneiras de fazer o novo conviver com o velho. A premissa inicial é de integração, e não de substituição. Claro, isso é querer demais num país como o nosso, que se modernizou pelo consumo, e não pela produção. Restou-nos essa pressa em virar a página. Uma ânsia.

Quando os bondes de Rio Grande (foto) sumiram, nos anos 60, a cidade respirou aliviada. O prefeito não sossegou enquanto não arrancou os trilhos de todas as ruas, como se aquilo fosse uma vergonha municipal. Até a simples lembrança dos bondes devia ser erradicada.

Como são as coisas. Nos anos 30, em uma cidade do interior paulista, se não me engano, o prefeito mandara pintar riscos paralelos nas ruas para dar a ilusão de trilhos a quem os observasse do alto. A localidade estava na rota do zepelim. O que é que os illustres passageiros aéreos iriam pensar de um lugar que nem bondes tinha?

Em São Paulo, agora se discute como fazer para restringir a circulação de carros no centro, sem causar convulsão social. Está na hora de alguém pensar em criar algumas pequenas linhas circulares de bondes. Antes que o zepelim passe. Lá de cima, eles vão ver que nem mesmo pintamos os riscos no asfalto.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O OLHO-MAU SALTITANTE

Meu amigo Mouzar Benedito é jornalista, escritor e, como ele próprio diz, saciólogo. Ou seja, um estudioso do Saci, o mais abrangente mito brasileiro, segundo me convence com seus argumentos.

Fui presa fácil, admito. O Saci é o mascote colorado. Houve até uma churrascaria no Beira-Rio com esse nome, no tempo das galochas. Sei bastante sobre o Inter. Mas não o bastante sobre o Saci.

No anuário que Mouzar lançou há dois anos, fiquei sabendo que existem outros sacis além do Pererê (çaa cy perereg, "olho-mau saltitante", em guarani). E também que esse mito sintetiza as culturas formadoras da identidade nacional: a indígena, a africana e a européia (a colorada também, se me permitem).

Mouzar é um ativista da Sociedade dos Observadores do Saci (www.sosaci.org), fundada em 2003. A idéia é promover o simpático traquinas e outras lendas brasileiras que todos nós aprendemos, mas esquecemos. A cada ano ganha força a comemoração do Dia Nacional do Saci e Seus Amigos, em 31 de outubro. A data foi escolhida em contraponto ao halloween (raloin, prefere Mouzar), a bruxaria americanófila disseminada em São Paulo.

Os observadores propõem o Saci como mascote da copa de 2014, a ser disputada no Brasil. Grande sacada. Mas a parada é dura, eles sabem disso. Não faltarão marqueteiros ávidos para abocanhar verbas públicas, criar um bonequinho qualquer e ir esquiar em Aspen. E o governo (seja qual for) tentará descartar o Saci, que já está "pronto", e assim não daria para molhar a mão dos apaniguados.

Imaginem o ministro, cercado de microfones, a expor o argumento obtuso, mas previsível, de que um personagem perneta não serve como mascote de uma competição de futebol. E o movimento negro a rebater que isso é racismo etc. Imaginem as piadas no balcão da padaria.

Claro que o Saci pode -- e deve -- ser o nosso mascote. No futebol, que eu saiba, só se chuta com um pé de cada vez. O Saci nem precisa do outro. Se nos falta a magia, então o que é que nos resta?

Com sorte, ainda vamos ter um presidente saciólogo. Outro sociólogo é que seria temerário. Esse nos convenceria de que está na hora de privatizar o Saci.