sexta-feira, 25 de setembro de 2009

DAS NÚPCIAS E OUTRAS AVENÇAS

Está provado: a maior causa das separações é mesmo o casamento. Vi isso, faz pouco, no trailer de um filme argentino. Mas havia muito suspeitava do facto.

Na manhã chuvosa da segunda-feira, uma oficial de justiça veio brindar-me com um documento de sete páginas. Nele, uma senhora com a qual coabitei, anos atrás, pleiteia que eu quase triplique a pensão que lhe pago pontualmente para o sustento de uma filha. Como se sabe, no Brasil, professores ganham rios de dinheiro. Temos contas na Suíça e em todos os paraísos fiscais.


A alegação é frouxa. Porém, para meu assombro, a juíza intima-me a pagar a quantia reajustada antes mesmo da primeira audiência. Incrível, esse escorchamento tem amparo legal. É uma lei do tempo do Gumex: dura lex sed lex.


Sou zero em Direito, mas interpreto a medida como um prejulgamento. Sempre ouvi os ilustres sentenciarem: in dubio pro reo. Nas peladas da praia do Cassino não se falava latim, mas mesmo lá não havia dúvida: bola prensada é da defesa. O problema é que a mulher, pelo mero atributo da maternidade, é presumida como sendo a parte defensiva, mesmo quando ataca.


O feminismo foi um avanço, mas impregnou a mentalidade moderna com uma premissa arcaica: todo homem tem algo de Pôncio Pilatos, toda mulher tem algo de Maria Santíssima. É como se a maternidade fosse um valor em si, acima do bem e do mal. Não raro, vemos mulheres usarem os filhos como escudo.


Para uma mulher, é fácil provar ao juiz que um homem prejudica os filhos por conta da tirania ou do abandono, quando não lhes provê o sustento. Para um homem, é quase impossível demonstrar que uma mulher causa danos equivalentes aos filhos, ou talvez maiores, pela chantagem emocional, pela manipulação minimalista do cotidiano, por guardar o rancor num frasco de perfume. São os venenos sutis.

Esses mesmos venenos sutis podem minar um casamento. Quem sabe a solução seja cortar o mal pela raiz. Solteirão empedernido, o compositor Johannes Brahms disse uma vez: "Infelizmente nunca casei e, graças a Deus, ainda estou solteiro". Ainda mais perspicaz foi meu ilustre conterrâneo papa-areia, o Barão de Itararé: "A mulher deve casar. O homem, não".

domingo, 13 de setembro de 2009

O DOCE DO REI ALPINISTA

Acharam meus últimos textos amargos. Vou falar de doces. Assunto relevante, por sinal. Lorca disse que para entender um povo é preciso conhecer suas canções de ninar e seus doces. Guimarães Rosa, ao receber um visitante de longe em seu gabinete no Itamaraty, pedia-lhe para falar sobre doces de sua região.

Na cidade de Rio Grande, muitos ainda acham que a Confeitaria Sol de Ouro foi a melhor do mundo. Bem, o mundo não foi consultado sobre isso. Talvez encontrássemos objeções já ali ao lado, em Pelotas. Em ambas as cidades, rivais, pululam toscas imitações
do creme rei Alberto, conhecido em São Paulo como creme belga .

O doce foi inventado para paparicar os soberanos belgas que visitaram o Brasil em
1920 e 1922, no centenário da independência. O rei Alberto I, herói da Primeira Guerra, alpinista, celebridade mundial, foi acolhido com entusiasmo e doou uma locomotiva a vapor modelo Pacific 370 à Estrada de Ferro Central do Brasil. Conheceu fazendas de café, usinas de açúcar e assistiu a um "match de football" no campo do Fluminense. Em um banquete, quebrou o protocolo e repetiu a sobremesa: o creme tricolor que ganhou seu nome. Morreria em 1934, de uma queda em um rapel, levando consigo a lembrança daquele doce de sabor inigualável que conhecera no trópico.

O creme rei Alberto que hoje encontro em minha cidade é um simulacro daquele que a Sol de Ouro fazia. Explica-se. Tornou-se difícil achar gelatina em folhas
para fazer a camada vermelha comme il faut. A camada amarela, feita de baba-de-moça, ressente-se dessas gemas pálidas que minha avó napolitana Luigia, doceira de mão cheia, teria jogado no lixo. Os tempos mudaram. Mas isto não justifica que cubram o doce com merengue. O branco não existe na bandeira da Bélgica. É uma heresia. Às vezes nem colocam a ameixa em cima.

O mundo preservou a versão original napolitana da pizza Margherita, com
as cores da bandeira italiana. Mas minha cidade aviltou uma receita clássica da Confeitaria Sol de Ouro e, por extensão, o pavilhão belga. Se isso gerasse uma questão diplomática com a Bélgica, o Itamaraty estaria em palpos de aranha. Não sei se pode contar hoje com um diplomata de visão abrangente como Guimarães Rosa. Ele sabia até os doces do sertão.