sábado, 19 de dezembro de 2009

ARRIVEDERCI, FAREWELL, 辞别

Quando lancei meu blogue, em agosto de 2006, senti-me como um adolescente que recebe a chave de casa. Ter autonomia para fazer meus textos chegarem a um certo público, ainda que diminuto, sem depender de terceiros, era como um passe de mágica. Algo assim eu não conhecera em décadas de trabalho como jornalista e como escritor. Neste ponto, a internet representava a libertação.

Esta experiência nova, no entanto, implicava um limite que eu próprio me impus: usar com parcimônia um espaço ilimitado. Não deixar-me embriagar pela vastidão. Meu desafio era produzir textos concisos que não fossem superficiais. Trocando em miúdos, não ir muito além dos 2 mil caracteres que correspondem
a uma página de livro ou a uma crônica de jornal. Seria um exercício para aprimorar o poder de síntese, como o de um solitário motorista que, numa tarde de inverno, treina baliza na areia da maior praia do mundo.

Sim, a internet tem quase o tamanho do Cassino. Revivi o hotel do meu pai na forma de um blogue. Captei visitantes fiéis e outros eventuais. Alguns deixaram marcas de qualidade superior à dos meus textos. Sou grato a quem doou um pouco de si aos leitores de Adjazzcências.

Ao longo desses três anos e quatro meses, não faltou quem discordasse de mim ou concordasse comigo sobre isso ou aquilo. É confortante receber apoio, claro. Mas o que de fato justifica meu trabalho é algo diferente da aprovação. É ter lido em alguns comentários algo assim: "Eu nunca havia pensado nisso sob esse ângulo".

Nunca desejei atuar como se fosse um rebocador, ou seja, arrastar navios por um caminho determinado. Isto é coisa para os políticos. Desejo, se tanto, ser um farol, emitir um sinal. O melhor que eu puder. Os outros que façam o uso que quiserem desse sinal. E naveguem por onde acharem que devem navegar.

Esta centésima crônica, hoje, fecha um ciclo. Não sei se vou reformular ou suprimir o blogue. Se continuar, terá periodicidade maior, mensal ou bimestral, quem sabe esporádica.
Meu tempo torna-se escasso. Como pretendo dedicar-me a um projeto de livro que está engavetado há anos, isto só poderá ser feito em detrimento do Adjazzcências. Mas não é uma despedida cabal. Portanto, arrivederci. Bom fim de ano a todos.

sábado, 5 de dezembro de 2009

UMA CRÔNICA DE VERÃO

Uns acham que a comunicação on-line empobrece o idioma. Que nem quando o rapaz digita à moça: "Qr tc cmg?". Ou será o contrário? Na tela do computador, todos os gt são prd, constataria o pesquisador Luís da Câmara Cascudo, se tivesse vivido a era da internet.

O internetês é só um modismo inócuo. Pode até ter certo grau de criatividade em suas simplificações. Suponho que a tendência à abreviação informal de palavras tenha existido sempre.
Há quarenta anos, para driblar a censura, o Pasquim cunhou expressões minimalistas como sifu e pqp! Hoje, coisas assim surgem aos borbotões, na tela. As simplificações se tornam mais visíveis, como tudo o mais a que temos acesso com um clique no teclado. Mas existiriam com ou sem a internet.

A língua, como a água, procura naturalmente o caminho menos íngreme, de preferência um declive, para ganhar velocidade. Não podemos condenar o uso do internetês pelos jovens, mesmo se parecem abusados quando deixam escapar abreviações como vc ou pq num texto acadêmico. Os mais aptos sobreviverão. Como sempre. Os jovens de hoje são apenas apressados e
ávidos por marcar sua presença no mundo, como nós também fomos. Até o dia em que se descobre que abreviar palavras não é o mesmo que criar atalhos no conhecimento.

Não temo que o internetês seja uma ameaça séria à saúde física e mental do idioma. Se fosse de fato uma invasão bárbara, com alto poder de contaminação, como temem os puristas, ainda assim não seria mais danoso que outros dialetos escabrosos que contam com a tolerância da sociedade. Um bom exemplo é o jargão da advocacia.

Tenho para mim que a lentidão da Justiça deve ser, em certa medida, uma lentidão de linguagem. O dito jurisdiquês, empolado e imperial, é o entulho linguístico de alguns séculos em que o Brasil foi pilotado pelos bacharéis.
O resultado disso é que nos textos judiciais ainda hoje pululam pérolas do tipo "o competente instrumento procuratório", "devolvo os autos à consideração superior" e "renovo a Vossa Excelência os protestos da mais elevada estima e consideração". Um moleque interneteiro, desses com a aba do boné virada para trás, daria um jeito nisso em dois tempos. Ou melhor, em duas teclas.