domingo, 24 de maio de 2009

BANGUE-BANGUE EM BRASÍLIA

Um clima de faroeste se instala entre nossas excelências, os parlamentares, quando discutem sobre a cota para negros nas universidades. Espanta-me que o assunto continue a dar pano para mangas. Invocam a ignomínia do passado para disfarçar a demagogia no presente.

Se aceitarmos a premissa, simplista e até racista (pelo avesso), de que disparidades históricas podem ser resolvidas pelo loteamento dos espaços sociais, então o que queremos ver é uma comédia. Não custa propor cota para índios nos ministérios; cota para japoneses na bateria das escolas de samba; cota para surdos nas sinfônicas; cota para canhotos no ranking do tênis; cota para anões nos times de basquete; cota para gagos nos telejornais; cota para brancos na defesa do Flamengo; cota para obesos no ataque do Corinthians (uma vaga já está ocupada); e, é claro, cota para fumantes no metrô, uma vez que o fumante não fuma porque quer, como bem sabemos, mas porque em algum momento foi vítima de uma propaganda enganosa que o governo permitiu. Parece ridículo? Pois é, mas
vivemos em um país que já teve até ministro da desburocratização e a taxa de juros estabelecida na carta magna.

Uma intelectual renomada (não guardei o nome) disse na TV, um dia desses, que o sistema de cotas no ensino superior poderia ser "o ovo da serpente". A metáfora é pertinente. Lembrei-me de uma outra, de Antonio Cândido, que certa vez afirmou que "o Brasil é um andar de cima realizado e um andar de baixo esquecido".

A turma do café da manhã está cansada de saber que o problema da educação tem de ser sanado a partir da base, ampliando-a e qualificando-a. Isto tenderá a dissolver a seleção racial, naturalmente, sem cotas em lugar algum. Mexer em cima, engessando segmentos, é apenas um jeito de nivelar por baixo. Ou seja, pavimentar o caminho para as nulidades que já infestam a vida pública.

Esse bangue-bangue entre parlamentares é um retrato da nossa inadimplência cultural. Penso se não estaríamos mais bem servidos e representados caso houvesse no Congresso um percentual de pessoas comuns, não partidárias, sorteadas entre a população em geral. Isso funcionou bem na antiga Grécia. Seria, por assim dizer, um sistema de cotas reservadas ao acaso. Mas por acaso não foi a Grécia o berço da democracia?

domingo, 10 de maio de 2009

AÇÚCAR OU ADOÇANTE?

O pessoal do café da manhã (agora sem hífens) queixa-se de que este blogue anda muito sério. Vou ver o que posso fazer. Não prometo nada.

O pessoal do café da manhã é o grupo de professores com que faço a primeira refeição do dia, três vezes por semana. Ocupamos a mesa mais próxima a um televisor que
é ligado quando abrem a lanchonete do terceiro andar.

Assim sendo, podemos rever os gols da noite anterior e dirimir dúvidas sobre algum pênalti ou impedimento. Às vezes
absolvemos um juiz que, na véspera, teríamos levado à cadeira elétrica. Coisas assim, se não trazidas a lume, permaneceriam como feridas latejantes no inconsciente coletivo.

Também vemos no vídeo cenas de assassinatos à queima-roupa, deslizamentos de terra, carretas tombadas na marginal.
O belo rosto da apresentadora Renata Vasconcelos ameniza a barbárie cotidiana. Mas é páreo duro com Cláudia Bomtempo, que tem feições mais incisivas. No tempo das galochas nosso dilema era entre Sophia Loren e Claudia Cardinale.

Sejamos honestos: às sete da manhã a forma importa mais que o conteúdo. "Muitos cuidam da reputação, mas não da consciência", nos censuraria o padre Antônio Vieira, se viesse tomar o café da manhã conosco.

Mas também não é que só falamos de amenidades. Há o lado cultural. Com o pessoal do café da manhã, já tive ótimas indicações de filmes e fiquei sabendo, por exemplo, que pebolim em Portugal se chama matraquilhos. Às vezes analisamos acidentes aéreos, técnicas de pouso e decolagem etc. O Ministério da Aeronáutica ainda haverá de mandar um emissário para acompanhar nossos colóquios matinais.

Ainda precisamos examinar melhor a fórmula de disputa do Campeonato Nacional. Uma pesquisa recente revela que 53,3% dos brasileiros preferem o atual sistema de pontos corridos, contra 36% de adeptos do "mata-mata" e 10,7% de indiferentes. Neste caso, estou com a maioria. Porém, para a Copa Brasil, defendo que o sistema de desempate por pênaltis seja trocado por prorrogação com "morte súbita", para compelir os times ao ataque.

Assuntos dos mais variados e relevantes entram em pauta, às primeiras luzes da aurora, como diria Fiori Gigliotti, naquela mesa da lanchonete. E os analisamos com tal acuidade de raciocínio que, não raro, chega às raias da erudição. Dir-se-ia até que nosso café-da-manhã continua como antes, com hífens.