Três coisas me intrigam. Uma: como é possível que jovens irrequietos, incapazes de se concentrar num texto de quatro páginas, ou mesmo num filme mais denso que Harry Potter, permaneçam imóveis horas a fio (imagino) enquanto um sujeito lhes garatuja na mesma pele em que, ainda ontem, mamãe passava Hipoglós com tanto carinho?
A segunda questão é, quem diria, estética. Os jovens ostentam tatuagens que destoam do padrão visual do mundo que habitam, e muitos adoram. Refiro-me a ambientes, roupas, acessórios, aparelhos, sites etc. O que mais vejo por aí são motivos florais, dragões, serpentes, uma pletora de elementos sombrios e entrelaçados.
Um visual rétro. Antigão. Muitas tatuagens me fazem pensar em iluminuras medievais, feitas tanto para ilustrar o texto quanto para assustar o leitor. Outras me fazem recordar os frontões das velhas casas do centro de Rio Grande ou nas revistas em quadrinhos do tempo das galochas.
Porém o que mais me intriga, nesse fenômeno, é a tatuagem como voto de permanência. Dá para tirar, mas não é fácil. Conheci um cara que ia gastar os tubos para apagar uma tatuagem no dedo, em forma de aliança, com o nome da ex-mulher. Imaginem o drama. Agora imaginem um dragão no pescoço. Quem garante que você, amanhã, não vai querer prestar concurso para auditor da Receita?
A tatuagem é meio que um gesto de desespero contra a impermanência. O cara vê tudo mudar tão rápido, tudo tão fora de seu controle, seja na vida real ou na virtual, que se sente tentado a criar uma espécie de site com páginas fixas. Na própria pele, impregnando-a de tinta. Oferece o próprio corpo em sacrifício para poder contar com um ponto de referência ao acordar amanhã: algo não mudou enquanto ele dormia. E também não sai com água e sabonete.
Pela mesma razão, acho eu, o pichador não picha coisas móveis (veículos) ou transitórias (tapumes, outdoors) e prefere rabiscar muros e fachadas. Ele tem medo de acordar amanhã e já não encontrar suas próprias marcas no mundo. Todos nós temos medo, aliás.