domingo, 29 de março de 2009

NA PELE, NOS MUROS

Vejo cada vez mais gente tatuada. Já não são só imagens vazadas, em regiões discretas, mas grandes áreas do corpo grafitadas. O braço do cara parece um pilar de viaduto.

Três coisas me intrigam. Uma: como é possível que jovens irrequietos, incapazes de se concentrar num texto de quatro páginas, ou mesmo num filme mais denso que Harry Potter, permaneçam imóveis horas a fio (imagino) enquanto um sujeito lhes garatuja na mesma pele em que, ainda ontem, mamãe passava Hipoglós com tanto carinho?

A segunda questão é, quem diria, estética. Os jovens ostentam tatuagens que destoam do padrão visual do mundo que habitam, e muitos adoram. Refiro-me a ambientes, roupas, acessórios, aparelhos, sites etc. O que mais vejo por aí são motivos florais, dragões, serpentes, uma pletora de elementos sombrios e entrelaçados.

Um visual rétro. Antigão. Muitas tatuagens me fazem pensar em iluminuras medievais, feitas tanto para ilustrar o texto quanto para assustar o leitor. Outras me fazem recordar os frontões das velhas casas do centro de Rio Grande ou nas revistas em quadrinhos do tempo das galochas.

Porém o que mais me intriga, nesse fenômeno, é a tatuagem como voto de permanência. Dá para tirar, mas não é fácil. Conheci um cara que ia gastar os tubos para apagar uma tatuagem no dedo, em forma de aliança, com o nome da ex-mulher. Imaginem o drama. Agora imaginem um dragão no pescoço. Quem garante que você, amanhã, não vai querer prestar concurso para auditor da Receita?

A tatuagem é meio que um gesto de desespero contra a impermanência. O cara vê tudo mudar tão rápido, tudo tão fora de seu controle, seja na vida real ou na virtual, que se sente tentado a criar uma espécie de site com páginas fixas. Na própria pele, impregnando-a de tinta. Oferece o próprio corpo em sacrifício para poder contar com um ponto de referência ao acordar amanhã: algo não mudou enquanto ele dormia. E também não sai com água e sabonete.

Pela mesma razão, acho eu, o pichador não picha coisas móveis (veículos) ou transitórias (tapumes, outdoors) e prefere rabiscar muros e fachadas. Ele tem medo de acordar amanhã e já não encontrar suas próprias marcas no mundo. Todos nós temos medo, aliás.

domingo, 15 de março de 2009

UM PROJETO SUPIMPA

Uma amiga envia-me um convite para entrar numa corrente de apoio a um projeto de lei de 2007 de autoria do senador Cristovam Buarque. Não sou lá muito chegado nesse negócio de correntes pela internet. Mas endosso aqui, nestas adjazzcências, uma idéia que considero, além de justa, sensacional.

Buarque propõe que os políticos eleitos para qualquer cargo tenham de matricular seus filhos e dependentes em escolas públicas. (Pergunto-me qual seria esse percentual, hoje.) Se o projeto é viável, são outros quinhentos. Mas, se for, creio, pode constituir um ovo de Colombo na questão educacional no Brasil. A qual, como sabemos, é um filme de terror.

< De vampiros, acrescenta Leo Vázquez.

Não vou dar trela ao palpiteiro bissexto. Sabemos o quanto ele pode ser espevitado quando entra em cena. Anos atrás, imaginem, apoiou uma proposta para instalar relógios de ponto nas casas legislativas, para que todos pudéssemos verificar a assiduidade dos políticos em seus postos de trabalho. Agora Leo Vázquez defende uma espécie de Big Brother fiscalizador que teria como cenário os meandros do Congresso Nacional. Assim, todos nós, que pagamos regiamente os salários de nossas excelências, teríamos acesso (em tempo real) a seus cochichos e os conchavos.

Bem, quem sabe isso seja possível dentro de 100 ou 200 anos. Se o efeito estufa não derreter tudo nos próximos 50, claro. No futuro próximo, explico a Leo, eu já me daria por satisfeito se o projeto do senador Buarque fosse aprovado e entrasse em vigor. Os políticos seriam compelidos a se mexer para dar um jeito no ensino público, embora agindo em causa própria, como é do seu feitio.

Esse projeto justificaria um amplo plebiscito. Se ficar nas mãos dos políticos, vai para a gaveta da eternidade. Eles sabem: não se mexe em time que está ganhando. E ganham altos salários, gozam de indecentes imunidades e privilégios, entre os quais o maior de todos: o privilégio de estabelecer os próprios privilégios. Temos, na verdade, uma monarquia camuflada dentro da república.

Votei em Cristovam Buarque na última ou penúltima eleição. Sabia que não tinha chance. Não me arrependo. Outra chance (maior) se abre com um projeto assim, se a idéia crescer e pegar de jeito.