segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A FRASE NA PRAÇA

Na Praça Dom José Gaspar, sob a estátua de Chopin, ouço um morador de rua dizer a outro que também dorme ali:
> O Brasil é o país mais corrupto do mundo.

Surpreendeu-me que essa tese, plausível, interesse a quem não tem nada mais nada a perder na vida. Mas matutei: faz sentido. O sem-teto é o produto de ponta da nossa corrupção amazônica, imemorial.

O primeiro bispo do Brasil, Pedro Fernandes Sardinha, locupletou-se a perdoar pecados até que foi devorado pelos imaculados caetés. Os cobradores dos bondes paulistas cunharam o bordão Dlim-dlim, dois pra Light e um pra mim. Os arquitetos, menos explícitos, disfarçam sob o eufemismo reserva técnica a quantia que recebem por fora para privilegiar fornecedores.

Só no Manual do Escoteiro consta que esse ou aquele presidente vai coibir a corrupção. Todos, no Brasil, prometeram isso. Até os ditadores. Nicas. Na construção de Brasília, os entregadores chegavam às obras com caminhões carregados de vergalhões que não descarregavam; davam baixa na nota fiscal e voltavam ao fim da fila, com a mesma mercadoria, para reapresentá-la ao fiscal. Pagamos quatro ou cinco vezes pelas lajes dos prédios públicos sobre as quais se assentam os tacos, os tapetes e os sapatos (com anchas meias) dos políticos. Devem ser sólidas, portanto.

Se quantificada, a corrupção alçaria o Brasil aos píncaros do Guiness. Esse penumbroso recorde mundial, mais do que nunca, estará ao nosso alcance na copa de 2014. Nesse mesmo ano, vale lembrar, se cumprirá o centenário da indignada frase de Ruy Barbosa sobre a vergonha de ser honesto. Sim, ele já dizia isso em 1914.

Se fosse viável resgatar o montante da corrupção desde os tempos do bispo Sardinha, o país estaria em condições de garantir um apartamento de dois quartos, com chuveiro quente, a cada um de seus cidadãos. Do Oiapoque ao Chuí. Na Praça Dom José Gaspar, não haveria ninguém de noite, a não ser Chopin. Agora entendo o que ouvi, por acaso, ao passar por lá de manhã.