domingo, 20 de novembro de 2011

A ARTE E O TEMPO

Se Beethoven houvesse vivido tão pouco quanto Mozart, 35 anos, seu nome teria sido soterrado entre os de outros 5 mil pianistas que atuavam em Viena no final do século XVIII. Ele foi um gênio tardio, late bloomer, flor de outono.


O talento sempre se impõe? Pergunto-me isso ao ver um bom músico, que poderia estar no palco, tocando para os ouvidos moucos dos frequentadores de restaurantes. O público não está nem aí. Até quando aquele músico terá de ficar na obscuridade, menos prestigiado que o garçom? Torço por seu talento. Mas não há garantias. 


Segundo a Bíblia, Jesus Cristo disse aos homens: muitos serão os chamados, mas poucos os escolhidos. É a lei da vida; ela vale para os espermatozóides, para os vestibulandos e, claro, também para os artistas. Mas ouvir a verdade é assustador. O mesmo Jesus providencia o consolo: os últimos serão os primeiros. Isto seria, em tese, uma compensação para a injustiça. Mas em outra dimensão. Ou no fim dos tempos.


Se nos fosse dado ver o trailer da redenção, teríamos um Beethoven curado da surdez, mas trabalhando de garçom. No pódio, em vez dele, um músico genial que outrora passara despercebido em Viena, o qual nunca vimos mais gordo, rege a sinfonia celestial.


Tudo resolvido? Não, nem tudo. Mesmo nessa dimensão post mortem, que redime os homens, vemos os artistas persistir no erro básico pelo qual já pagam caro neste mundo: confundem a sua vocação com o seu destino. Acreditar na vitória do talento não é menos delirante do que acreditar no Papai Noel. Só que, sem essa crença, não se faz a grande arte.