sábado, 11 de agosto de 2007

DINA SFAT, UMA RECORDAÇÃO

Não é fácil convencer uma adolescente de que ninguém sobrevive comendo três folhas de alface por dia. Os ditames da elegância são tirânicos. O shopping é o Kremlin. Essas meninas nem desconfiam.

Querer ser que nem os esguios manequins das vitrines, imutáveis e sem celulite, não passa de uma quimera. Na idade delas, também ansiávamos por um socialismo enxuto que só existiu mesmo na vitrine de alguns países. Mas como demonstrar a um adolescente que as coisas não são o que parecem ser?

Um dia desses, numa estação do metrô, minha filha e eu deparamos com uma frase de Machado de Assis: “Há mulheres elegantes e mulheres enfeitadas”. Ficamos certo tempo discutindo o assunto. Aí me saí com esta, desculpem:
> Mulher enfeitada é aquela que quer se parecer com as outras, e mulher elegante é a que quer se parecer consigo própria.

Quando disse isto, eu pensava naqueles sapatos bicudos, talvez de inspiração medieval, que as mulheres de hoje exibem em ocasiões formais. Informalmente, diz-se que se prestam para matar baratas nos cantos da cozinha. Não sei, mas calçá-los deve ser uma tortura. Duvido que alguma mulher os usasse se não fosse porque as outras também usam. Mais fácil seria acreditar que comer alface é a melhor coisa do mundo.

Como minha teoria metroviária não faz jus à sagacidade machadiana, decidi que só com um exemplo concreto eu conseguiria explicar a minha filha o que entendo por elegância feminina. Pensei em Sophia Loren e Claudia Cardinale. Mas não ousei abrir o baú. Limitei-me a recordar, com o silêncio dos inocentes, como era duro escolher entre aquelas duas, nas noites solitárias da minha adolescência, quando por sob as cobertas aprendi a pôr em prática (diria Machado) a verdadeira afinidade entre a mão e a luva.

Então pensei em nomes de hoje: Laura Morante, Isabelle Huppert, Diana Krall... Mas todas estão distantes da Terra Brasilis. Até que me veio em mente a figura saudosa e esbelta de Dina Sfat. Eis o exemplo prático capaz de confirmar qualquer teoria sobre a elegância feminina. Mesmo uma feita às pressas, dentro do metrô.

16 comentários:

Anônimo disse...

Bela lembrança, Renato. Nunca me esqueci da belíssima guerrilheira que a Dina Sfat fazia no filme "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade. Mas isso é lembrança de quem já tem uma certa idade. O filme é de 1969.

Carlos Machado

Unknown disse...

E Diane Baker, Renatão! Mais perto de nós outra companheira que se foi: Inês Knaut.

Blogger disse...

Belo exemplo, Renato. Dina Sfat era meu modelo de mulher, elegante, esbelta, bonita, charmosa e tinha mais uma qualidade que hoje vive em carestia: classe!

Anônimo disse...

Se para ser elegante tenho de usar os sapatos de matar barata nos cantos, prefiro ser eu mesma com um forrado de pelego. Lindas recordações, perfeitas comparações. bjs. MAmélia

Nei Duclós disse...

Crônica perfeita, Renato. Parabéns!

Anônimo disse...

Renato, grande verdade: Dina Sfat primou pela elegância em seu sentido mais amplo, soube expor suas idéias sem medo, mostrou-se por inteira e sua espontaneidade aliada à firmeza contagiou as mulheres de sua geração.Bela crõnica.

Anônimo disse...

Renato, que delícia o papo com a filha sobre a elegância feminina. Dina Sfat é um saudoso exemplo de elegância. Mas não se desespere de sua amada filha, tão jovem ainda, gosta de uns badulaques e de umas experimentações. Tudo tem seu tempo. Viver bem cada fase da feminilidade é fundamental. As mulheres que aos 40, 50 anos, ainda precisam usar sapatos de bico fino e saltos que prejudicam a coluna e o bem-estar do corpo, certamente não aproveitaram bem a juventude, quando a vaidade é, senão importante, justificável.A elegância é coisa para as mulheres que amadurecem acompanhando o desenvolvimento do próprio corpo. Nada é mais deselegante do que uma senhora enfeitada demais, maquilada demais, querendo aparentar menos idade do que tem. Às jovens quase tudo é permitido, elas são lindas mesmo com narigões horríveis, mascando chicletes, embecadíssimas ou vestidas de bicho-grilo, sequer precisam ser elas mesmas, ainda nem sabem quem são e a elegância nelas é quase uma falsidade. A elegância vem com o tempo ou é impedida de chegar pelo excesso de vaidade. Quanto a meu exemplo de elegância fico com Vicente: Inês Knaut. Eu tinha 25, ela uns 40. Encontrei-a numa feira na Vila Madalena. Meu marido, na época namorado de poucas semanas, apresentou-me a ex-namorada, a penúltima antes de mim. A bem da verdade foi ela quem atravessou a rua e veio em nossa direção com seus sapatos tipo sapatilha, mais parecia uma chinesinha. Foi duro deparar com a simplicidade, a beleza e a elegância daquela coroa de fala mansa, corpo mignon, olhos iluminados, sorriso franco. Tratou-me com carinho, quase amorosa, foi a elegância em pessoa, conseguiu atravessar a barreira do meu ciúme, acalmar meu coração apaixonado. Eu queria ser como ela quando chegasse aos 40. Já passei dos 40 e ainda não consegui, mas ela continua sendo meu exemplo de elegância. No final das contas elegância deve ter algo a ver com saber amar, com não envolver-se em competições mesquinhas, talvez elegância seja apenas o exercício da bondade e da inteligência numa única sinfonia. Dina e Inês tiveram isso em comum.
Um abraço, Cláudia.

Anônimo disse...

Caro Renato: tenho uma dúvida e uma discordância.A tal frase será mesmo do Machadão? Não me parece. Quanto às meninas que comem três folhas de alface para parecerem manequins, não diferem muito da vaidade da linda e talentosa Dina Sfat que preferiu morrer a se submeter a uma mastectomia e a consequente quimioterapia. Cada qual faz suas escolhas.Abraços saudosos, Adélia

Anônimo disse...

Meu caro, a crônica é linda, mas você é um velho. Foi o que disse Carlos Machado. Às vezes vejo mulheres na rua que mais parecem árvore de natal. E os modelitos então! Leg com batinhas. Coisa horrível, né não? E os sapatos de plataforma de madeira ou borracha. As mulheres andam numa deselegância sem par. É muderno!

Anônimo disse...

Renato,

Nessas novas e sensíveis idéias & adjazzcências fico aqui pensando em quando vc começar a tratar de jazz, tão bem quanto quando se ocupou de Piazola...

Sudaia

Nei Duclós disse...

Renato, Idéias & Adjazzcências agora é link permanente do Diário da Fonte. Está entre meus favoritos oficialmente.

Um Professor Indignado disse...

Renato, a Dina deixou saudades, mas sinto muito a falta da Elis. Agora, nós homens modernos somos culpados por essa magreza cadavérica de algumas garotas. Encontrei em consultório (eu estava em tratamento) uma garota belíssima há alguns meses. Ela me disse que precisava perder dois quilos; fiquei procurando esses quilos há mais. Fui esclarecido então que o namorado dela implicou com o seu peso - deu uma vontade de gritar: LARGUE O NAMORADO, viva a vida.

Anônimo disse...

cheguei ao seu blog por meio da dina sfat, mas fiquei mesmo e' interessado em sua filha.
um abraco,
sergio

Anônimo disse...

Bela lembrança, Renato. De fato a DINA SFAT era e é isso tudo e, na minha mente e vida, muito mais. Foi com suas atitudes, tanto de vida quanto interpretativas que aprendi a decodificar a vida e seus mistérios. Muito a admirava por seus belos olhos, rosto forte e marcante, seus gestos e falas perfeitos assim como seus silêncios tão gritantemente ensurdecedores. Que incrível para nós, hoje, vermos que já não se fazem mais atrizes deste naipe. Maravilha você se lembrar dela. Creio firmemente que muitos brasileiros se recordam dela com muita saudade e admiração.
Grato pela lembrança,

Josue Vasconcelos

Anônimo disse...

Muito legal perceber que o que me chamou muito a atenção quando criança, tem de fato tanta relevância ainda hoje. De fato a Dina Sfat com ceus belos olhos,rosto forte e marcante assim como seus gestos, dicção e silêncios impressionantemente audíveisé do naipe das grandes atrizes de que o teatro, cinema e televisão muito se ressentem hoje em dia.
Bela lembrança, Renato.
Josue Vasconcelos

Anônimo disse...

volto aqui de vez em quando para ver se aparece um novo texto sobre sua filha e nada... isso ai' ta' virando superprotecao.
abs
sergio