domingo, 23 de setembro de 2007
OS RAMOS DO CALANCÓI
< Sair de onde saiu, chegar onde chegou: inteligente, isso ele é.
Mas também:
< Lula é burro. Nem sabe falar.
Juízos tão extremados se devem à paixão política, prima-irmã da miopia. Atrelar a inteligência à desenvoltura no uso da língua é tão pueril quanto supor que o destino é determinado por mérito pessoal.
Testes de Q.I. (quociente intelectual) já não têm a credibilidade que tinham no tempo das galochas. De lá para cá cunharam muitas definições de inteligência, algumas até engenhosas. Nenhuma chegou a emplacar. Definir a inteligência é quase tão difícil quanto definir Deus. São entidades que se revelam por seus efeitos. Algo sempre nos escapará.
Se eu precisasse definir a inteligência, talvez dissesse que é alguma coisa capaz de observar a si mesma. Mas logo apagaria com a tecla Del. E, mais realista, escreveria: inteligência é a capacidade de fazer o que precisa ser feito, na hora certa.
Porém, ao adotar esta pedra de toque, teria de tirar o chapéu para a planta que tenho sobre o balcão. É um calancói. Escapou do vaso com todos os ramos. Se o mudo de posição, ele se volta de novo na direção da janela. Mantém suas folhas no ângulo exato para captar a luz. Todas, menos duas, bem embaixo, que sustentam de leve cada ramo sobre o tampo do balcão, como pernas de bailarina.
Existem mil formas de inteligência. A das plantas, a dos políticos, a das bailarinas. Que as julguemos superiores ou inferiores é questão de foro íntimo. Ou de alinhamento externo.
Eu não diria que Lula é burro. Como não diria que FHC, seu antecessor, é todo aquele portento que apregoam. Sinto que seu brilho, indiscutível, vem menos da essência do que de uma espessa camada de verniz. Não é da estirpe, digamos, de Vaclav Havel.
Talvez nenhum país europeu tenha tido, no século XIX, um governante do mesmo nível de Dom Pedro II, que impressionou Nietzsche quando eles trocaram idéias num trem. No entanto, mesmo contando com um imperador iluminado, o Brasil ficou na rabeira na hora de abolir a escravidão.
A questão não é bem até onde vai a inteligência de certo governante, mas sim o quanto ela consegue se impor às circunstâncias. Temo que seja sempre bem menos do que gostaríamos.
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
A FOTOCÓPIA AMARELADA
Abro uma latinha de cerveja. Ofereço-a Leo. Com tato, tento convencê-lo de que sua idéia é inviável. Mostro-lhe uma fotocópia amarelada sobre a mesa. É uma notícia de jornal que caiu de dentro de um livro que emprestaram a minha filha. O texto tem o seguinte teor:
“O bobo da corte disse ao Rei Lear que ninguém deveria envelhecer sem primeiro se tornar sábio. É que a ingenuidade é bela nas crianças, compreensível nos jovens, mas trágica nos adultos. Dos adultos, mais do que imaturas manifestações de espontaneidade e temperamento, esperam-se o equilíbrio e a serenidade da experiência.
Radicais brasileiros, convençam-se: os tempos são outros, o Brasil cresceu. Ninguém vai industrializar a crise, ninguém vai virar a mesa, mesmo com os pratos vazios. Esta certeza não se assenta na possibilidade dos tanques saírem às ruas mas, antes, na convicção da maturidade política de um Brasil adulto.
Já pagamos todos os preços de todas as ingenuidades. Já seguimos homens pensando seguir idéias, já toleramos badernas em nome do que julgávamos ser democracia, já acreditamos em milagres antes de acreditar no trabalho. Basta. É preciso não confundir anseios com possibilidades. Basta. É preciso que o exemplo e a dor sejam as bases de nossa tranqüila maturidade.
Companheiros! Em 27 de novembro de 1935, a ingenuidade política nacional permitiu uma escalada de covardia e violência: a Intentona Comunista. Recordar aquela madrugada de sangue e espanto, de crime e tragédia, não é cultuar o ódio pelo ódio, é bendizer a liberdade, é exaltar princípios, é reafirmar a gratidão de um povo pelos que morreram em defesa da pátria ameaçada. Radicais brasileiros, não tentem.”
Trata-se de uma ordem do dia proferida pelo tenente-brigadeiro-do-ar Délio Jardim de Mattos, ministro da Aeronáutica entre 1979 e 1985. Não faz nem trinta anos. Parecem trezentos, concordo. Mas Léo Vázquez (sorte dele) não é desses sujeitos que acreditam que a história se repete.