
Aquela nossa viagem foi às Maldivas -- não confundir com Malvinas. Trata-se de um arquipélago no Oceano Índico, com mais de mil ilhas de coral, em grande parte desabitadas. Águas mornas, translúcidas, pontilhadas por filetes de terra com farfalhantes coqueirais. Entre os lugares que conheci, esse foi o único ao qual tive peito de aplicar, sem pejo, o adjetivo paradisíaco. Tião concorda comigo.
Relembramos um fato curioso. Passávamos de barco ao lado de uma ilha onde se via um sujeito sozinho. Era um alemão. Cumpria pena por um crime que teria algo a ver com droga, cousa esta satanizada num país islâmico. Mas lá estava ele, em seu bronzeado equatorial, tranqüilo como água de poço, dir-se-ia no Sul, e faceiro que nem gordo em camiseta regata.
Então cumprir pena, nas Maldivas, era aquela moleza? Um gringo solto na praia, de bermuda, sustentado pelo governo. Segundo Tião, o prisioneiro fora procurado por um representante do governo alemão disposto a repatriá-lo. Recusou. Casara com uma jovem maldívia. Familiarizara-se, digamos. Não pretendia sair dali. Enfim, estava muito bem, obrigado.
Então nos perguntamos: não seria o caso de cometer um pequeno assassinato, que fosse, para ganhar o direito de ser confinado a uma daquelas incontáveis ilhas que ainda estavam vagas? Aquilo é cumprir cena. Cumprir pena, mesmo, é ficar imobilizado ao volante de um carro na fuligem de um túnel engarrafado, com hordas de motoqueiros azucrinando a vida. São Paulo às seis da tarde.
Passaram-se mais de dez anos desde a nossa viagem. O alemão ainda estará por lá? Penso nas Maldivas quando leio sobre o efeito-estufa. Ontem o jornal disse que, com acréscimo de 5ºC no aquecimento global, o mar fustigaria Londres e Tóquio. Maldivas, ele nem cita, claro. Com muito menos aquecimento, aquelas finas lâminas de areia ficariam submersas. Sumiriam do mapa. Será que o alemão já sabe? O paraíso não existe, Tião.