sábado, 3 de novembro de 2007

LAIKA NO SPUTNIK

Ontem homenageamos os mortos. Hoje proponho outra homenagem. Faz 50 anos, exatos, que os russos lançaram ao espaço o primeiro ser vivo: uma cachorrinha de 3 anos de idade. Chamava-se Kudryavka (“crespinha”, na língua de Tolstói), mas se tornaria famosa pelo nome de sua raça de origem siberiana, Laika (“ladradora”), pertencente ou aparentada, creio, à família terrier.

Laika foi abduzida em 3 de novembro de 1957, a bordo do segundo satélite da série Sputnik (“companheiro de viagem”). Resistiu menos do que se esperava. Morreu sufocada dez dias depois. Até então nenhum terráqueo, e muito menos um terrier, havia sido submetido a uma situação de microgravidade. Se naquela época me tivessem pedido a opinião, eu diria que no lugar de Laika botassem Nikita Kruschev, um careca de nome sinistro que eu tremia só de ouvir no Repórter Esso.

Eram os tempos da Guerra Fria, ou seja, de paranóia geral. Mas também do Gumex e das galochas. Eu tinha 4 anos. Dei o nome Laika a uma cachorra vira-lata que apareceu lá em casa. Era um tributo à original, detonada por Kruschev. De noite, na cama, eu pensava na solidão de Laika, perdida no espaço.

“A Terra é azul e eu não vi Deus”, declararia em 1962 o astronauta Yuri Gagárin, que orbitou o planeta. E Neil Armstrong, ao caminhar na Lua, em 1969, cravou: “Este é um pequeno passo para o homem e um grande salto para a humanidade”. Frases de almanaque. Devem ter sido cunhadas bem antes por assessores de imprensa. Sabe-se lá o que Gagárin e Armstrong de fato pensaram lá em cima. No entanto, o que eu gostaria de saber, mesmo, foi o que Laika pensou, nos dez dias de pânico, a respeito dos russos que a fizeram de cobaia.

Vou mais longe. Gostaria de saber o que o touro pensa dos espanhóis; a raposa, dos ingleses; o lobo, dos franceses; a baleia, dos japoneses; a cobra, dos chineses; o camelo, dos marroquinos; o boi, dos catarinenses; a capivara, dos caçadores do Taim; os elefantes, dos donos de circo.

Mas não farei desta crônica num libelo zoomaníaco. Deixo de lado outros tantos animais sacrificados para pensar só em Laika. Ainda estará girando em torno da Terra? Só sei que, meio século depois, cá estou eu, sem Gumex, que de resto já não me seria necessário. Estou cada vez mais parecido com Kruschev.

8 comentários:

Fluidometria disse...

Quanto a parecer o senhor Krushev, não creio...
De Laika - só lembro a pinta sobre o olho - ou sua aus~encia é que chamava a atenção?
De qualquer forma, um pouco mais velha, me sinto eu num espaço que tráz dúvidas do "valeu a pena"?, "vale tudo isso"?, ganhamos algo mais do que um salto na Lua?
Tomara viva eu mais meio século para descobrir e tu também.
Assim poderemos trocar idéias de um século que parecia trazer inúmeras mudanças, mas só trouxe histórias.
Beijos de boa semana, Oxalá seja de fato!
MIRIAM

Guilherme de São Paulo disse...

Olha Modernell, acredito que o pensamento que orientou aqueles russos é o mesmo que o dos cientistas que usam ratos e suas variações nas pesquisas atuais: 'vamos ver o que acontece com o bichano e, se der certo, vamos nós'. Só que não teria o mesmo apelo comercial mandar um rato para o espaço do que uma cachorrinha bonitinha e simpática.
Hoje, se a experiência fosse repetida, poderiam mandar um dos nobres senhores que ocupam o nosso Parlamento, inclusive, dando o mesmo destino que teve a cadelinha...
Araços!!!

Anônimo disse...

Renato, histórias à parte - quem não teve sua Laika? A nossa era LAICA mesmo, a viralata mais pura da zona do campinho do Lemos. Obrigada pela lembrança. bjs.

Anônimo disse...

Olá Renato,

Pegando seu gancho, e de alguns comentaristas, quem sabe hoje deveríamos mandar um sapo, não careca, barbudo.

Abs.

Álvaro

Andarilho da Luz disse...

Caro Renato, mais uma vez fomos abrilhantados por uma inteligente reflexão.
Eu espero ver as Laikas apenas se divertindo como qq outro cachorrinho e não sendo sacrificada em nome do nada.
Eu tb espero que nunca mais possamos ver os Krushevs da vida, tentando impor ao mundo esse besteirol que inventaram e colocaram o nome de Socialismo...
Um forte abraço e espero que o Rin-tin-tin esteja dando um bela mordida na traseira do tal Krushev (risos).

Anônimo disse...

Adorei este texto, Renato. Não apenas por estar bem escrito, como sói acontecer, mas por conter um humor sarcástico, e uma crítica velada ao poder político de então. A sensibilidade do menino, pensando no que Laika teria pensado antes de morrer, é tocante.
Será que aqueles políticos, e muitos dos tempos atuais, têm alguma idéia de que os cães têm uma consciência sensível? Eis uma questão para ser refletida.
Abraços e parabés.
Daisy

Anônimo disse...

Renato, parabéns, brilhante, sem comentários. Você se superou, fico mudo, calado. O que dizer?
Carlos Carrion

Anônimo disse...

elisa disse:
eu também (como a Daisy) fiquei viajando com aquele garoto de quatro anos sondando o espaço sideral....
o sonhar dos meninos e dos adultos não cessa de me provocar um grande espanto e uma irreprimível paixão...
ainda bem que no mundo existem mais do que engrenagens políticas e pura violência.