domingo, 10 de fevereiro de 2008

NEM MESMO RUI

Os professores se queixam. A cada ano deparam com alunos mais tatuados e menos instruídos. Muitos estão pouco se lixando para qualquer coisa que veio ao mundo antes deles.

A curto prazo, não há como desenroscar o nó górdio da educação no Brasil. Nem se o presidente vendesse a Amazônia aos chineses e construísse tantas escolas quanto os salões de beleza que pululam por aí, com seu bafo morno de acetona.

O problema transcende os tristes trópicos. É geral. A qualidade da educação caiu até na Escócia, jóia da Coroa. Nem vamos falar da África. Lá, acho que nem teria o que cair.

Brasil, 2008. O que pode um professor diante da realidade que tem pela frente? Simples: basta uma mágica. Ele tem de arrumar um jeito de fazer, com o bonde andando, a triagem que o vestibular não fez. Sobrou para ele a tarefa de separar o joio do trigo. Se houver trigo, claro.

Rui Barbosa disse:
> Devemos tratar desigualmente os desiguais.
Não sei se aí fala mais alto o jurista, o jornalista, o político ou o intelectual que participou da reforma do ensino nos últimos anos do império. Seja como for, hoje um professor não se arriscaria a endossar a frase ruiana, tão lúcida quanto politicamente incorreta.

No entanto o professor é aquele que mais sente na carne o conflito que ela encerra. Ele sabe que seu dever é garantir aos alunos a igualdade de oportunidades. Mas também sabe que não adianta malhar em ferro frio. Nivelar por baixo é trair os melhores.

A encrenca do professor é a mesma do artista, do terapeuta e de todos os que lidam com conteúdos humanos. O drama é o seguinte: pensar o mundo de forma democrática e senti-lo de forma aristocrática. Não me refiro à pirâmide social, por favor, mas à convicção profunda de que a qualidade importa mais que a quantidade. O mercado não pensa assim. Mas o mercado pensa?

Os tempos são outros. Talvez nem mesmo Rui Barbosa, se estivesse vivo, diria aquilo que disse. Pelo menos não na frente das câmaras de televisão. O óbvio não foi feito para ser dito em público. Tem que destilado à boca pequena, à socapa, no recôndito aconchego de uma superquadra de Brasília, após o terceiro uísque, que entrou na conta de um polpudo cartão corporativo. Em público, o que se deve falar é em inclusão social.

22 comentários:

Unknown disse...

Renato,bem-vindo! Estava com muita saudade do blogue que tempera
minhas tardes dominicais.
Muito triste a situação atual do bom professor, não menos do que a dos alunos, sejam eles tatuados,capazes ou indiferentes ao que lhes é oferecido.Nem Rui enfrentaria uma dessas...
Grande abraço.

Nei Duclós disse...

No Brasil o buraco é mais embaixo. Enquanto no resto do mundo a educação sofre de relativa decadência em função das novas realidades (excesso populacional, novas mídias sedutoras e manipuladas etc.), no Brasil a educação foi sucateada de propósito, a partir de 1964. A Reforma da Educação de Jarbas Passarinho, que destruiu o ensino público, de massa, de qualidade, foi o grande passo dado em direção à destruição do pensamento no Brasil, ambiente ideal para a traição à soberania (que é a legitima necessidade de o país existir). Só com educação de qualidade, de massa, é possível despontar os grandes talentos, que foi o que aconteceu durante todo o período do Brasil soberano (1930-1964). Veja a "coincidência": a maioria dos nossos gênios são da era Vargas. Hoje, com a alternância tucano-petista, exportamos os poucos cérebros que conseguem escapar do massacre, enquanto a massa formada nos colégios transformados em favelas vira passeador de cachorro com carteira assinada.

Carlos E. Faraco disse...

Pois é, Renato.
Até o Rui ruiria.

Abraço.

Anônimo disse...

Nei, o Duclós -- leve aí um abraço... --, tem boa parte da razão. Só que não foi o passarinho. Foi um certo Flávio Suplicy de Lacerda, nativo paranaense, que armou o acordo mec-usaid.
Em, acho eu, você erra, Renatão, ao elevar o mico ruy a espaço tão nobre. Não era progressista, brincava com a aristocracia, empolado. Um puta dum chato. Ou seja: certamente não seria um nosso tipo inesquecível.

Unknown disse...

Bem-vindo, Renato. Que férias longas!!!
Sei que é difícil essa situação para os professores essa situação, mas não vejo como não tratar os desiguais desigualmente. Qual professor vai deixar de estimular com mais profundidade os seus alunos mais interessados/esforçados/dedicados? (repare que eu não disse os melhores e nem os mais inteligentes...)
Beijo grande.

Ricardo Soares disse...

Bom achar você na blogosfera Renato ! grande abraço ... vou passar a frequentar...
ricardo

Anônimo disse...

Renato,
Também os professores que, no primeiro ano de trabalho, acham que podem conseguir o que o dr. Keating alcançou no filme.

Não conheço a educação privada neste país, mas de alguns amigos que estão/foram de colégios particulares, o nível é tão baixo [do aluno] quanto de um aluno de colégio público.

Também acho que é inútil construir escolas que, no final da obra, já estão sucateadas. Escola deveria ser o ambiente mais "ponta de tecnologia" [ou um dos]. Computadores, laboratórios. Infelizmente, no Brasil, descobriram que se você fizer uma escola com tudo que deveria ter de infra-estrutura e colocá-la na propaganda da TV, o povo se contenta.


O que não se pode é generalizar também, como fez o Nei: há gente torpe tanto no ensino privado quanto no público. E sempre haverá: justamente a questão de desigualdade ali - não entendo social, digo "educacional" - de alunos que não querem aprender, exceto as manhas do Fifa 2008.

E concordo com o post: a questão é mundial. Não sei se é fiel à História: os países da 'cortina de ferro' agora estão recebendo a primeira geração pós-socialismo, que cursaram um sistema educacional capitalista, e a coisa tá feia. Tanto é que estão oferecendo o que tem e o que não pode ter para entrarem na UE..

Anônimo disse...

Que bom tê-lo de volta, Renato, sempre fazendo a cabeça da gente funcionar. Concordo com a colocação da alice interpretando o velho Rui.
Um grande abraço

Nei Duclós disse...

Marcelo, onde foi que eu generalizei? Onde foi que eu escrevi algo que justificasse tua desnecessária explicação "há gente torpe tanto no ensino privado quanto no público?". É óbvio que há. O que isso tem a ver com o que escrevi? Não vale me atribuir algo perfeitamente contestável. Aí não há debate. O que fiz foi uma abordagem política, pois educação é fruto é políticas públicas (que se refletem tanto no ensino privado quanto no público). E lembrei a origem política do sucateamento. Citei o político responsável pelo ministério da Educação e não o técnico pelo acordo mec-Usaid . Mas a lembrança de Vicente é importante. É bom lembrar todos os responsáveis por uma situação que acaba sendo encarada como inevitável, como "natural".

Anônimo disse...

Que bom poder contar com a leitura de seus belos textos! Eles me fazem pensar exatamente sobre o tema desta última matéria: ensino atual. Como gostaria que meus filhos tivessem esse domínio da língua que demonstra! Mas atualmente, na era msn, o vocabulário está cada vez mais pobre, a adequação da linguagem ao contexto passa à distância de muitos que mal conseguem organizar uma idéia coerente em um papel. Aí me pergunto: de quem é a responsabilidade por essa situação? Sei que são muitas as implicações históricas, políticas, econômicas. Mas o que quero chamar a atenção é para a falta de sintonia entre o jovem aprendiz e seu professor. Para mim, como mãe e educadora, o que faz a diferença é a capacidade de tocar o outro, de interagir com ele para, a partir daí, ampliar sua visão, seus interesses, sua aprendizagem. O que adianta tanta tecnologia que cada um estiver olhando para horizontes diferentes?

Anônimo disse...

Nei,
"enquanto a massa formada nos colégios transformados em favelas vira passeador de cachorro com carteira assinada."

Entendi isso como generalização. Se não foi, desculpe-me.

Anônimo disse...

O que adianta tanta tecnologia se cada um estiver olhando para horizontes diferentes?
O "se" faz toda a diferença...
Se Lula não tivesse ganho as eleições...
Se o PSDB não tivesse há mais de doze anos à frente da Secretaria de Educação do governo de São Paulo...
Se os professores tivessem um salário melhor...
Se os alunos jogassem menos vídeogame...
Se a mídia manipulasse menos os jovens e houvesse mais programas educativos...
Se os professores e pais lessem mais...
enfim...acho melhor esquecermos esses "se" e pensar o que cada um pode fazer hoje que nos constitua como agentes de mudança, independentemente do campo profissional em que atuamos.

Priscila Ferreira disse...

Oi Professor!
Não sabia desse seu espaço, e por algum motivo recebi seu e-mail sobre esse fantástico texto!
Acho que Rui com toda sua autenticidade diria o mesmo hoje em dia, a não ser que ele pudesse ter se transformado num cara altamente hipócrita.
Quem disse que a vida é justa não é mesmo?

Gostei e freqüentarei sempre.
Ah, e vou colocar o linck desse blog no meu ok?

Feliz 2008!

Antonio Dalmi disse...

“De tanto ver triunfar as nulidades...”, em tempos de Lula, nem o grande Rui pode acertar todas.
abraço

Anônimo disse...

Oras, desta vez discordo.
Aliás, eu pegaria um megafone e juntaria o público pra ver quem está em desacordo ao Rui.
Sempre lúcido este "homenzinho"...
E digo isto por que, se nos deixarmos guardados no armário, teremos ações bem piores do que nossos queridos enrustidos d'antanho.
O assassinato parece a principal arma destes Hitler em série que nossa juventude tem criado em atuais adolescentes ou moleques de doce infância.
Desta vez não concordo que se beba uísque, - que por sinal, odeio - mas nem com um vinho podemos deixar de expressar-nos.
Não posso esquecer que o nosso medo judaíco e a nossa vontade de não desrespeitar o próximo, segundo os mandamentos, nos levou a uma Inquisição e aos Campos de Concentração.
Daqui para outros campos iguais, parece que não estamos longe não!
Um grande beijo cheio de felicidades!
Tava morrendo de saudades dos teus textos.
MIRIAM

Nei Duclós disse...

Marcelo, não tem que pedir desculpas, aqui no espaço democrático do amigo Renato a conversa é respeitosa e gratificante. Mas se você tivesse colocado o início da frase citada, ficaria claro que não é uma genertalização: "Hoje, com a alternância tucano-petista, exportamos os poucos cérebros que conseguem escapar do massacre". Ou seja, sem ensino de qualidade de massa, geramos mais pessoas desqualificadas do que pessoas com educação de nível internacional. Tanto no ensino privado quanto no público. Conheço escolas pagas que são verdadeiras favelas. Já visitou os porões do Objetivo na avenida Paulista?

Anônimo disse...

Nei,
Acho até que estamos em acordo, só com termos diferentes.

Essa exportação de pessoas qualificadas ainda nos deixa duas situações:
1) a desculpa de que o Brasil não há pessoas qualificadas para determinadas áreas tecnológicas;

2) em conseqüência desta desculpa, nenhum [em deficiência] setor privado incentiva, pois perderia em disputa comercial até encaixar-se à realidade brasileira. Aí, creio, seria uma tarefa do governo.

Diante disso, até o presidente iria trabalhar fora.

Da mesma maneira, acho que a Tati está certa: botamos a culpa no governo, mas a sociedade civil também não se mobiliza para mudar a situação.

Parece até aqueles professores de matemática que erram no português e dizem que não tem obrigação de escrever direitinho por não ter cursado Letras, Jornalismo, sei lá..

Ê país.

Anônimo disse...

Olá professor,

Grata surpresa ao saber do blogue. Nossa oficina de textos do semestre passado (mack)foi muito importante para muitos da nossa sala.

Vamos (meu grupo) tentar divulgar nosso conto na revista INICIE, da Letras. Não nos esqueceremos de suas dicas!

Um beijo

SahKelly disse...

Professor
De volta à blogosfera? Bem vindo!
Não pude deixar de acompanhar a discussão entre o nei e o marcelo, e gostaria de fazer duas perguntas.
1) este nei é mesmo o nei duclós?
2) se a resposta da primeira foi "sim", haveria a grande possibilidade de me passar o contato dele, se houver??? Sou uma fã que descobriu há pouco o trabalho dele...

Bem, acredito que seja esta minha contribuição, afinal de contas apesar de nao ter tatuagens, ainda nao me julgo capaz de definir muito bem qual o grande vilão de tudo isto.
Abraços

Priscila Lopes disse...

Bastante pertinente esta postagem.

Destaco:

"Ele tem de arrumar um jeito de fazer, com o bonde andando, a triagem que o vestibular não fez. Sobrou para ele a tarefa de separar o joio do trigo."

A tarefa é ardua. Um cabo de força: ou o professor desiste e vai passando a bola; ou o aluno desiste e tranca a faculdade.

Um Professor Indignado disse...

Renato, muitas vezes tenho a impressão que o Brasil procura reinventar a roda. Ontem, estive no Colégio Etapa, assistindo uma palestra apresentada por três professores da Universidade de Seul. Os coreanos conseguiram, em 40 anos, transformar um país que possuía pobreza africana em potência econômica. Usaram a velha receita acumulação de capital, educação, disciplina e tecnologia. A tal Universidade, pasme, tem 98% de seus professores com título de Doutorado! E grande parte atuando em regime integral. Agora, eles têm um projeto de nação; estão pensando nos próximos 30 anos. E nós? Seremos a eterna conjunção futebol/Carnaval/sexo fácil/agricultura/pecuária/fornecimento de matérias-primas? Um dos professores coreanos até pediu desculpas à platéia, num excelente castelhano, quando mostrou um mapa no qual o Brasil figurava como fornecedor de minério de ferro, processado pelas grandes economias do mundo e transformado em automóveis e bens de consumo de altíssimo padrão tecnológico.

Anônimo disse...

Essa história com RBarbosa já é antiga mas não resisto à tentação de relembrar -- mesmo porque RBarbosa é só desculpa do Renato: nossa encrenca com a educação, sendo que nisso nós e todos os povos que integram um certo Quinto Mundo, é nossa encrenca com o capitalismo. Nada mais, nada menos. O capitalismo que enxergou amplas possibilidades de lucro com educação. Fodeu o ensino público ano a ano para justificar o ensino privado, portanto pago. Fomos às ruas contra o acordo MEC-Usaid, e o engraçado é que os que mais reclamam cagaram e andaram na época, hoje pais de filhos, e netos, que não conheceram ensino público decente. Fora RBarbosa e todo o apoio ao ensino público decente. Tenho dito -- eu e o Nei.