domingo, 7 de setembro de 2008

ALGUÉM QUE PARTE

Um antigo colega de faculdade me escreve contando sua aflição. A filha e o genro receberam boas propostas de trabalho em países distantes. Vão por um ano, mas no íntimo (acredita ele) com o desejo de emigrar em definitivo.

"Não quero ser paranóico, mas quem sabe no futuro terei que me encontrar com uma neta ou um neto com quem nunca convivi, falando um idioma que desconheço, com uma cultura da qual não saberei nada", escreve meu colega. E mais adiante: "Será que não estou fora da realidade? Será que o homem contemporâneo é tão globalizado, que se torna na prática um apátrida? Gostaria de saber o que você pensa a respeito."

Meu colega me coloca numa sinuca de bico. Falar de pátria num sete de setembro? E com essa grampolinagem que corre por aí? Mas não vou fugir do pano verde. Quem sabe até pareça patriotismo.

A boa pátria é aquela que cabe na mochila. Andar pelo mundo, vendo outras coisas, refina o nacionalismo prêt-à-porter que nos incutem na escola. Sim, aquele mesmo que os locutores esportivos trombeteiam nos jogos da seleção.

A versão saudável do patriotismo é serena, portátil, light, se diria até. Pode fazer o cara parecer apátrida, quando não é nada disso. A meu ver, a globalização no mundo dos negócios e da tecnologia não atinge as camadas fundas da nossa subjetividade. Tudo está como dantes no quartel de Abrantes.

Não, meu amigo, você não está fora da realidade. Estamos todos bem dentro dela. Mais dentro que água-de-coco, como diz o outro. Nada mais humano que a chamada "síndrome do ninho vazio", essa que você vive por antecipação. Tenho amigos às voltas com a inquietude de ver os filhos partir para longe. Ou para perto, tanto faz. Mas partir, eis o xis da questão.

Partir é sempre uma traição. Mesmo quando não é. Mas isso passa, você sabe. Não pense no ronco da decolagem. Pense em quando você desembarcar no Japão para visitar sua filha. Quando voltar ao Brasil, sua pátria será maior do que é hoje. Mas isso você não vai conta para ninguém, claro. E não esqueça: o que se globaliza é a casca. Não a água-de-coco.

9 comentários:

Unknown disse...

o, tens razão ao afirmar que "nada mais humano que a síndrome do ninho vazio", mas como é triste, dói, dói muito mesmo, dor intensa e ininterrupta.Se ao menos os filhos forem felizes...
Grande abraço.

Anônimo disse...

Que maravilha Renato!!! Não sei se fiquei mais fascinada pelo conteúdo ou pela poesia da escritura. A pátria numa mochila então, é de prêmio nobel. Não tem espaço para escrever todas as emoções que essa materia desencadeou em mim. Sim, emoções. Alias, gostaria tanto que um dia desses você escrevesse algo sobre essa palavra tão maltratada. Obrigada, Renato, por esse fotograma emocional de fim de tarde que é como um convite para fechar o computador, sair lá fora, encher um cálice de vinho e se deixar levar, sem mochila, emoção afora...

Unknown disse...

Gaúcho, às vezes sinto uma inveja grande de você por escrever tão bem. Já disse lhe isso uma vez num tempo remoto. "Alguém que parte" mexeu comigo. São vários os motivos. Acabei de sentir essa sensação quando minha filha saiu de casa. Não foi pra longe, foi pra outro bairro. Mas a síndrome do ninho vazio assolou meu coração.
E o final do seu texto é magnífico. Só a casca é globalizada, a essência não. Belo, gaúcho

Anônimo disse...

Como pai de filha única, como muitos, sou bem sensível ao tema da partida, cada vez menos eventual.
Mas não consegui digerir o seu: “Partir é sempre uma traição”.
O fato é que filhos ficam junto aos pais se há carência e troca de afeto e proteção. E carência é sempre um desequilíbrio, de qualquer dos lados.
A condição ideal seria apenas desejar o melhor ao filho, mas não escapamos de negociar a nosso favor.
Abraço
Antonio

Alceu Nader disse...

Voltei imediatamente 32 anos atrás (rapaz, como nós estamos ficando velhos), quando partir, para nós, era redenção, aventura, realização de um sonho. Nossa mochila era a expectativa por conhecer pessoas e paisagens que entrariam na nossa vida naquele capítulo especial que se abriria. E se abriu. E só se abriu porque éramos jovens e nos arriscamos no incerto.
Portanto, se houver oportunidade, diga a ao pai amigo que te inspirou que não há globalização capaz de mudar elementos básicos do bicho-homem, como migrar. Sempre fomos nômades,fosse qual fosse nosso idioma.
Partir pode ser sim, uma traição, referindo-me à colaboração do leitor anônimo - mas só para quem fica.
Os filhos, que também os tenho e que um dia também partiram para muito longe, hão de deixar os pais sempre apreensivos com os caminhos que tomam - e isso também não há globalização que mude.
Você acertou na mosca: o que conta é o sumo do coco.

Anônimo disse...

Renato!
Não tive estes filhos, mas tenho outros dotes.
Fui filha e parti, ficando.
Diga o que disser a psicologia e a psiquiatria, saímos de casa se sentimos necessidade de buscar outros horizontes, outras fontes que tragam um SOL de viagem.
Seja próximo ou longe do ninho, não interessa.
Basta que sigamos e voltemos ao ninho buscar o colo da ajuda para ultrapassar novas fronteiras.

Não parti, mas tive a partida de meus pais e resulta que loucos psicólogas dizem que busco a morte por isso.

Mas nascemos e já estamos morrendo. Palavras dignas de FERNANDO PESSOA.

Então aqui lhe digo: o vazio fica sempre, de um lado ou do outro, mas queremos preencher o nosso vácuo com diferentes pérolas.

Resta estar aqui de novo citando mudanças necessárias e benditas e a busca do entender perdas e danos através de alterações da concepção de mudança de vida.

Seja com nova literatura ou nova psicologia.

Saudade, sim.

Mudança, sim.

Falta uma chave de intenções que mostre que temos dor, mas esse sofrimento existe desde que o mundo é mundo, o que nos faz presentes em uma Terra virginal, mas diferente a cada dia, com as pesquisas e a ciência prometendo ser o próprio Deus.

O que fica como salutar?

Viver entre espaços do tempo.

Então, vamos viver mais um segundo ou mais uma ETERNIDADE de saudade.

Essa Síndrome gera muitas outras esperanças...

Beijos,

MIRIAM

Um Professor Indignado disse...

Somente para agregar uma informação ao contexto. O genro, mestiço de três etnias, foi educado na cultura japonesa tradicional, aquela dos tempos dos samurais. Não se sente brasileiro, nem é simpatizante, por exemplo,do movimento negro. E a filha, mestiça de duas etnias, sempre foi muito crítica em relação à cultura brasileira, principalmente quanto às práticas políticas.

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto, caro professor Renato!
Como iniciante nesta arte do escrever, creio ser de grande valia ter contato com textos exuberantes e tecidos com a experiência de quem já pincela as letras como o pintor na tela. Meus parábens novamente e minhas singelas admirações!

um abraço
PS: sou autor do Blog "Da prosa à poesia" que lhe enviei semana passada.

Anônimo disse...

Querido Renato, a pátria numa mochila é a melhor expressão para o sentimento que tem estado dentro de mim quando levantei âncoras de Porto Alegre. Lá se vão quase 29 anos. Minha mãe sempre sentiu a dor de seu amigo. Mas sei que minha felicidade a recompensa. Minha vida, você sabe, é colocar a mochila nas costas e andar por aí, dentro ou fora do Brasil. Um amigo disse recentemente que eu tenho rodinhas. Achei a definição perfeita - já não carrego a pátria na mochila, mas dentro de mim.
Amei o seu texto! Grande beijo!