segunda-feira, 6 de outubro de 2008

AGORA AGUENTA

Se o Guinness não fosse um registro de recordes, mas de paliativos, o Brasil haveria de ser citado nele com maior freqüência. No tempo da ditadura, a dita cuja permitiu às revistas masculinas exibir apenas um seio feminino por vez, em cada foto.

Sim, era pouco para as nossas expectativas. Mas era muito para os ditames da época, a qual hoje se convencionou chamar de "anos de chumbo". A tal da abertura "lenta, gradual e segura" preconizada pelo general Geisel não se aplicava apenas à área política, mas também aos bons costumes, a começar pelo sutiã.

Falo de seios, se me perdoam a analogia, para poder falar do trema. Isto mesmo, da reforma ortográfica que vem aí. Em breve, o trema deixa de existir em todo o território nacional, após tantos e tantos anos de bons serviços prestados ao nosso idioma. O liqüidificador vai triturar, em seu copo em forma de u, os dois pontinhos que lhe servem de tampa.

A meu ver, é uma reforma ortográfica muito radical. O presidente Lula, que acaba de sancioná-la, devia antes ter-se inspirado no gradualismo seguro do general Geisel. Até porque também o apregoa, com outras palavras, quando se refere às medidas econômicas de seu governo.

No tocante a medidas ortográficas, um gesto mais sensato seria revogar apenas um dos pontos do trema de cada vez. Por que não usar o mesmo espírito de contenção dos anos 70, se ele funcionou tão bem na questão dos seios? Além disso, é temerário acabar com o trema no Brasil todo, de uma vez só. Devia ser só em Curitiba, de início. Sempre se diz que, por tratar-se de uma capital
arraigada aos hábitos, é o local ideal para se testar lançamentos de produtos.

O trema, para muitos, é produto da imaginação.
Milhões de brasileiros, se consultados, diriam que esse vetusto sinal gráfico é cousa que já não existe há muito tempo, como a espada e o espartilho. No entanto, o trema serve para alguma coisa. Não deviam triturá-lo no liqüidificador, como fez o presidente. Inútil, mesmo, é o pingo do i. Mas esse é imexível, diria aquele ministro.

11 comentários:

Anônimo disse...

Quantas teses e tratados acadêmicos já não foram paridos para discutir como o Zé poderia comunicar uma informação ou questão à Maria ou ao João, da forma mais elegante, correta, objetiva ou poética? As ortografias foram concebidas para que só os iniciados pudessem praticá-las, elitizando o conhecimento. Agora, a globalização exige a uniformização dos mercados, e não serão tremas e acentos diferenciais que dificultarão os acessos dos produtos aos ávidos consumidores.
Abraço
Antonio

Anônimo disse...

Renato
bem humorado seu texto como sempre, mas se fazem necessárias certas observações "sérias" sobre o assunto.
1 - Portugal, África, Timor - acho uma "sacanagem" acabar com aquelas coisinhas "bacanas" do portugues d'alem mar, o "caracter", o "termómetro", etc. Sou mais a tradição, a pureza, o inusitado.
2 - Francês - ah, que inveja dessa língua tão apegada às tradições, deve ser a mesma do tempo dos Enciclopedistas.
3 - PCs, Internet - vamos escrever em "internetês"? que m...!
Em resposta a Antônio, é isso mesmo, viva a elite intelectual, abaixo a popularização da língua!
Dificultemos, dificultemos...
Abraços, Carlos Carrion

Rene Santana disse...

O português sempre teve uma certa dose de mistério. Agora que o trema se foi podemos dizer que ficou menos um.A dúvida, no caso era: Porque trema e não BIMA?
Porém ainda fica a piscina, um local para se banhar, e o aquário um local para os peixes.

Anônimo disse...

Olá Renato!
Trema ou não, trememos a falta de diferenciais.
Agora é moda não termos nenhum diferencial, diga-se de passagem, até mesmo na vida e no vai e vem do dia a dia.
Pois é! Perdemos o direito que - durante anos - buscamos.
Não podemos "tentar ser" ou simplesmente "ser diferentes".
Buscar soluções iguais, feito clones mal-fadados, aqui vem a pior - e melhor - das intenções.
Nunca mais "um" e sim "todos iguais".
Iguais a dez ou cem milhões, isto aqui já nem se altera mais.
Taí a idéia da globalização, socialização que não deu certo nem na antiga URSS.
Todo mundo quer viver de utopia - que é um sonho e uma ilusão falsa de sermos sempre os moradores das ruas A, B, C, D... em países A, B, C, D... com empregos A, B, C, D... sem direito a mudar quantidade de salas, quartos, emprego e condição social ou emoção.
Continuo a achar que algo é hipócrita, mentiroso, irracional e desqualificado pra se viver o dia a dia da Terra, mas vamos em frente...
Triste é ver que existe uma grande incompetência, muito medo que alguém se sobressaia entre milhões de iguais que nunca o foram!
Mas isto significa que nunca mais teremos tremas, acentos agudos, tônicos em palavras sem mais sentidos.
Urrah!
Tá na ora do internetês...
Beijão!
MIRIAM

Mauricio disse...

Modernell, seus comentários são sempre brilhantes e insuperáveis. Mas, você não é o único a protestar contra as reformas ortográficas. Monteiro Lobato e Mário de Andrade já o fizeram, de forma tácita ou explícita. Seu colega João Pereira Coutinho, português, o faz agora: “Exijo que respeitem o "actor" português e o "cepticismo" luso com o "c" e o "p" que o Brasil elimina”. O maior problema da língua portuguesa, porém, é o descaso com que é tratada. Oitenta por cento das obras publicadas no Brasil são traduções. Os vinte por cento restantes são disputados por autores já famosos ou por famosos-autores. Nessa última categoria muitos poderiam ser citados, mas, vou me restringir ao lançamento de Adriana Calcanhoto, baseado em surto psicótico que a cantora teria sofrido em Portugal. Há, também, o problema dos direitos autorais: os herdeiros exploram esses direitos por 60 anos após a morte do escritor. Isso leva as editoras a preferirem editar obras clássicas, já livres dos direitos autorais. E o uso de termos em inglês? Você vai a um “shopping” e lê na vitrine: “Sale”. Difícil explicar para um filho o que é aquilo. Nossa língua é, no dizer de Bilac, “esplendor e sepultura”. Antes que a enterrem de vez, tentemos salvá-la.

Um Professor Indignado disse...

Renato, você sempre irônico e provocador. A melhor coisa que li sobre essa nova reforma ortográfica foi a atitude de um escritor; ele simplesmente vai ignorar as mudanças e deixar a batata quente na mão dos revisores. Se era para simplificar alguma coisa, porque manter os acentos? Ou o h no início das palavras? Feiúra ficou agora mais feia, sem o acento. Recebi um manualzinho da escola em que leciono; apenas 32 páginas! Temos coisas mais importantes a enfrentar; por exemplo, como incentivar a leitura entre os nossos estudantes. Minha filha e eu nos sentimos verdadeiros dinossauros, quando abrimos algum livro em ônibus, metrô e salas de espera.

Anônimo disse...

É impossível globalizar uma Língua. Costumes, história, geografia se impõem. No país, existem diversos modos de escrever e se expressar. Como querer que em um país distante a comunicação seja feita do mesmo modo que em São Paulo, por exemplo? Seja como for, editores de livros, jornalistas e todos os que vivem do difícil ofício das Letras vão ter de reaprender a acentuar, colocar hífen e sabe lá mais o quê visto que não sei ainda ao certo todas as mudanças estabelecidas. Se alguém vir alguma lógica nessa Reforma Ortográfica, gostaria que informasse pois creio firmemente que não há ninguém em posição de defendê-la. De reformas o Brasil precisa, com certeza. Essas, no entanto, são ignoradas. Aí sim, todos sabem porquê.

Mauricio disse...

Caro Anônimo. Quantas pessoas, Brasil afora, saberiam o que quer dizer “Objecto quasi”. É o título de um livro de José Saramago. O que significa esse título, só lendo o livro para se ter uma idéia. Uniformizar a língua falada nos países de origem lusitana não irá resolver todos os problemas de comunicação nessa comunidade, já que eles são culturais e vão muito além da grafia. Mas, ajudará bastante. Melhor fazer alguma coisa pela integração cultural que simplesmente desqualificar todas as iniciativas. Alguém pode imaginar o que seria do inglês, falado em pelo menos vinte países como língua materna, se cada um desses países usasse uma grafia diferente? É preciso uniformizar a grafia, bem como difundir a literatura de cada um dos países de língua lusíada em toda a comunidade. O jornalista e escritor português João Pereira Coutinho escreve na Folha de São Paulo, mas, editou seu livro “Avenida Paulista” somente em Portugal, pela “Edições Quasi”. Será que não há nada de estranho nisso?

Anônimo disse...

Maurício,
Respeito seu ponto de vista, pois as opiniões diferentes nos fazem refletir e chegar a conclusões. Você bem disse que a Reforma Ortográfica não resolve tudo. Não resolve mesmo, só é uma camisa-de-força indesejada, que muitas vezes descaracteriza o idioma. A Língua de Camões em seu berço, Portugal, por exemplo, nunca mais será a mesma sem sua particularidades, como o c de caracter, que observaram muito bem, logo acima, ou o acento agudo de termómetro. E o Öbjecto Quasi¨vai permanecer. A Ortografia a ser imposta não modificará além do ¨c¨de objecto. Quanto ao joão Coutinho, não há como saber seus motivos. Podem ser de ordem econômica, já que as editoras nacionais remuneram muito mal os escritores. Enfim, todas as respostas não passam de cogitações.

Anônimo disse...

O polêmico Diogo Mainardi, na revista Veja, disse bem quanto ao assunto: por aqui não se sabe escrever sem reforma ortográfica, muito menos sem ela.

Anônimo disse...

Nossa, que delícia é fluir por aqui. O pingo no i foi fantástico; ele descreve tudo que eu precisava para entender a política de hoje, a justiça de hj. O pingo seria para diferenciar do e, que teria um sentido somatório. Mas a soma não é algo que temos visto por ai: vemos apenas que soma com soma é soma e menos com menos é menos ainda. Isso não é novidade