segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O SILÊNCIO DE CACARECO

Em outubro de 1958, um rinoceronte-negro do zoológico de São Paulo apelidado Cacareco recebeu 100 mil votos para vereador. O caso ficou famoso. O presidente Juscelino Kubitschek comentou:
> Não sou intérprete de acontecimentos sociais e políticos. Aguardo as interpretações do próprio povo.

Tendo eu 5 anos, na época, não pude dar a interpretação que o presidente pediu. Tentarei hoje, aos 55, se já não se faz tarde, saldar meu débito com JK.

O silencioso Cacareco trouxe das savanas da África uma das mais eloqüentes lições aos brasileiros: o voto tem de ser voluntário. Senão é democracia de araque, de zoológico, para crianças de 5 anos. Mas não aprendemos a lição. Nunca vi uma matéria mostrando os países onde o voto é livre e onde é obrigatório. Por que a mídia nos nega tal informação? Ou por que a subestima?

Sempre que posso me manifesto a favor do voto voluntário. Uma vez cheguei a grudar um reclame no vidro do carro. Hoje, olhando pelo retrovisor, acho aquilo meio ridículo. Mas o que não fica ridículo com o passar dos anos? Uma declaração de amor? Uma calça boca-de-sino? Um político no qual depositamos nossas esperanças?

Voto voluntário não é para ficar em casa, de pijama, mas para ir votar com convicção. Antes da urna, o espelho. A
decisão de ir votar ou não, por ser íntima, é mais civilizadora do que aquela que poderá vir depois, no candidato. Ela nos faria amadurecer.

< O Estado não tem interesse em nos transformar em adultos.
Ouvi esta frase de uma amiga, sábado, numa conversa sobre voto voluntário. Tomei nota, aí está. Espero um dia vê-la presente nas escolas, nos bares, na mídia, mas na forma de pergunta:
> Por que o Estado não tem interesse em nos transformar em adultos?

Pergunta incômoda. Obriga-nos a decifrar os 900 quilos de silêncio do rinoceronte Cacareco, que apesar do nome era fêmea.

Muitos que conheço são a favor do voto voluntário, mas o consideram coisa de somenos. Desculpem. Continuo a achá-lo tão essencial quanto
o voto feminino, se quisermos chamar isso aí de democracia. Hoje damos como favas contadas a participação feminina na política. No entanto, foi uma conquista tardia.

Enquanto dá, vamos empurrando tudo com a barriga. Não sei se esta é a resposta que JK esperava. Mas foi ele que nos passou a bola, meio século atrás.

12 comentários:

Mauricio disse...

Renato, você diz que: “Muitos jornalistas devem até ser a favor do voto voluntário, mas o consideram coisa de somenos. Vários amigos meus pensam assim. Ninharia”. Sou admirador de suas crônicas, mas, nesse particular, penso como seus amigos. O voto voluntário é uma questão de nonada, de lana-caprina, ou, para usar uma expressão muito cara aos escrivães de polícia: de pouca monta. A multa por não comparecimento às urnas é fixado pelo juiz eleitoral e pode variar entre 3% e 10% do valor UFIR (R$33,02), ou seja, de R$ 1, 06 a R$ 3,51. Normalmente, o juiz fixa a multa em R$ 1,06. Se você não quiser votar, passe qualquer dia no cartório eleitoral do seu bairro. O pessoal tem nível universitário e a repartição é modelo de bom atendimento na administração pública. Você só terá de pagar um real e, possivelmente, dar alguns autógrafos. A democracia brasileira não é de araque, a meu ver, mas, a obrigatoriedade do voto, sim. Se não quiser pagar a multa você pode também justificar a ausência: no dia da eleição, nas escolas requisitadas para esse fim ou, no cartório eleitoral, no prazo é de 60 dias a contar da data da eleição de cada turno, quando estiver no país e, se estiver no exterior, 30 dias a contar da data de retorno ao Brasil. JK não pode explicar o fenômeno Cacareco; FHC, o sociólogo de Higienópolis, certamente o faria. Penso que foi desinteresse pela eleição, que pode ter uma série de causas. Isso é um prato cheio para cientistas políticos. Nós, que sempre damos uma passada por aqui, estamos interessados em outra coisa: aqueles seus posts mordazes em que fala que “o mercado está nervoso”, ou “o sistema não acolhe pagamento de conta depois das 19 horas”. Escreva mais aqui no site, Renato, mas, pense nisso: o voto “obrigatório” no Brasil é apenas uma forma de incentivar o eleitor a comparecer às urnas. Nos EUA gastam fortunas com campanhas publicitárias para motivar o eleitor a votar. Aqui, não precisamos fazer campanha publicitária nesse sentido. Gastamos, apenas, com a simpática atriz prenhe convidando-nos a votar.

Andarilho da Luz disse...

Cacareco...
Pois é, assim eu vejo a mente política no Brasil, um rebanho de cacarecos.
Voto voluntário é muito para esses cacarecos que atuam na política brasileira e falo de cacarecos medrosos, pois se pelo menos, fossem corajosos, ainda vá lá...seriam cacarecos melhores.
Cacarecos a parte, acho que está na hora de começarmos a lidar melhor com essa idéia de voluntariado, pois assim com o voto, tb sou a favor do serviço militar voluntário ou então que tal atividade seja desenvolvida em outras áreas da segurança como o Corpo de Bombeiros, por exemplo.
O jovem poderia, de forma voluntária, escolher onde faria seu serviço militar e nada seria mais interessante do que fazê-lo no Corpo de Bombeiros onde, além de tudo, aprenderia uma profissão, mas voltemos ao voto voluntário.
Voto voluntário significa amadurecimento de um povo e consciência política e em relação aos políticos...Com o voto consciente, acho que não teríamos mais dinheiro em cuecas, mensalões, cantores de não sei o que sendo fantasticamente votados, caciques tentando falar em plenária sem ter cultura para isso , etc...
Sei lá, que Deus nos ilumine e nos ajude a conseguir esse tal VOTO VOLUNTÁRIO o quanto antes...
Parabéns Renato, vc sempre dando show.

Anônimo disse...

Renato,
já passa da hora de acabar com o voto obrigatório no Brasil, você tem razão. Sandra Cavalcanti (lembram?) dizia, porém, que isso não seria possível no Brasil, que assim "ninguém" iria votar, pois "Brasileiro não vai nem a reunião de condomínio". Ainda bem, tem coisa mais chata do que reunião de condomínio? Em parte ela tinha razão, somos no Brail individualistas, solidários somente no câncer e na seleção ("Pátria de chuteiras"). Mesmo com a razão estando com a nobre "caçadora de mendigos", acabemos já como o voto obrigatório.
Carlos Carrion - Vitória ES

Anônimo disse...

FANTÁSTICO !!!!!!
Como sempre vc arrasa!!!!!!!!!!!!!!
Quem sabe nas eleiçoes futuras teremos mais esperança.
Abraços

Anônimo disse...

Todo o apoio à idéia, mais velha do que eu, do voto voluntário. VAlessiF

Blogger disse...

Olá,Renato.
Sempre fui favorável ao voto voluntário, ou facultativo. Como você disse, o voto deve ser consciente. É um absurdo termos que ir às urnas para votar em quem não confiamos, ou para anular o voto, ou para votar "em branco".
Abraços
Daisy

Anônimo disse...

OLÁ RENATO!
DESSA VEZ MEU COMENTÁRIO TÁ CURTO!
VOTO POR NÃO QUERER VER UM MONTE de ANULADO. Taí!

Agora sem Guaraná! A seco!
Beijos,

MIRIAM

Anônimo disse...

Oi Renato, só dá para torná-lo facultativo quando sanarmos o problema dos 70% de analfabetos funcionais. Precisamos de um povo mais educado. Só dá para optar por alguma coisa que se conhece. Só um exemplo: converse com a sua empregada sobre o que é votar. Prefeito? vereador? deputado? eles não fazem a menor idéia do que é...o problema é muito pior, está na base. Abs saudosos!Beatriz Lira

Mauricio disse...

Meu caro Carlos Carrion. Gostei da sua citação da Sandra Cavalcanti. No meu prédio só vão às reuniões dos condôminos os mesmos gatos pingados de sempre. Talvez eu seja o mais pingadão de todos. Reelegemos o mesmo síndico há quase vinte anos: eu voto nele porque não aparecem bons candidatos e porque não quero destoar dos colegas, votando contra só para contestar. E veja que nessas reuniões são tratados assuntos que interessam diretamente aos condôminos e têm repercussão financeira em seu bolso. Pensei que esse preâmbulo fosse ter como corolário a defesa do voto obrigatório, mas, ocorreu o contrário. É bom que seja assim, que sempre haja divergência de opiniões. Só espero que, no futuro, não nos tornemos gatos pingados das urnas, ou condôminos eleitorais.

Um Professor Indignado disse...

Lá vem o Renato tirar a gente da mesmice, do conformismo, daquela cômoda atitude quando dizemos para quê agir se nada vai mudar. Essa coisa do voto deveria ser discutida com mais intensidade, em todas as instâncias sociais.Que razões misteriosas nos levam a escolher um candidato, seja político, alguém procurando emprego, uma miss, etc. e tal? Será que contamos com todas, realmente todas as informações necessárias? Quantas vezes não escolhemos um candidato e nos arrependemos depois? No entanto, temos pela frente uma instituição legal chamada voto obrigatório, os que a defendem argumentam que ela nos obriga a pensar a realidade nacional e a participar da construção do País. Uma falácia, quando sabemos como somos manipulados pela mídia e que ainda existe, nos rincões profundos, o voto de cabresto (agora mesmo muitos políticos ameaçaram suspender o Bolsa-Família se não fossem eleitos). Pensemos porém no voto opcional. Será que aumentariam as abstenções? No primeiro turno deste ano, se a minha memória não está ruim, elas foram 15%. Somente os mais conscientes votariam? Mas, e o voto de cabresto? Há mais dúvidas sob o Cruzeiro do Sul do que acredita a vã Filosofia. Eu votarei sempre, na medida do possível, mas defendo o meu direito de votar nulo. Farei isso amanhã, pela segunda vez, em todos esses anos. Votei assim quando defrontei-me com a escolha entre Maluf e Fleury. Agora, temos dois mentirosos contumazes, Kassab e Marta, que na verdade estão sendo preparados para vôos mais altos.

Nei Duclós disse...

Análise importante, tema de primeira. Cacareco representa a insurreição contra o voto de cabresto, ou seja, o voto útil. O crime é obrigar a votar sempre nos mesmos candidatos e não apenas obrigar a votar. O voto obrigatório é a representação do voto sem representatividade, que deságua nos políticos marcados, carreiristas, que jamais abrem a guarda para novos talentos, a não ser que estes dancem conforme a música. Votar no Cacareco significa: deixa eu escolher meu candidato antes da imposição que vocês fazem dos nomes viciados, recorrentes. Escolher pela milésima vez entre Marta e Maluf (depois, Kassab, digo, Serra) em São Paulo dá ou não vontade de votar no Cacareco?

Mauricio disse...

Nei, você viu bem o problema. Acho que nunca atingiremos a verdadeira democracia. Ela é apenas um ideal. A escolha dos candidatos deveria começar dentro dos partidos: os filiados escolheriam quem seria candidato. É a democracia interna. O PT fez isso duas vezes: os filiados escolheram entre Marta e Mercadante, para prefeito e Eduardo Suplicy e Lula, para presidente. Mas, mesmo no PT, a democracia interna não é prática constante. Certa vez, conversando com Levy Fidélis, ele me contou que era presidente nacional do PRTB e se “autodesignou”, também, presidente estadual. Autodesignação e indicação de caciques políticos são a regra. Marta talvez se candidate ao Senado. Quércia, ao menos no primeiro turno, deverá apoiar um candidato do DEM à presidência, o qual poderá ser Kassab. O PMDB e o DEM coligaram-se em vários Estados e a candidatura Kassab poderá matar dois coelhos: reerguer seu partido que perdeu eleitores e tentar reconduzir Quércia ao Senado. Nós não pedimos isso, não escolhemos, mas pode acontecer. Finalmente, no Rio ocorreu algo que deixou perplexo o pessoal contrário ao voto obrigatório: Gabeira perdeu por pequena margem de votos e houve 21% de abstenção. Mesmo com o voto obrigatório, o pessoal da zona sul, onde houve maior abstenção, se ao invés de ir à praia tivesse ido votar, Gabeira estaria eleito.