segunda-feira, 24 de março de 2008

O AVIÃO DE VIDRO

Investem bilhões para que os passageiros de aviões logo possam acessar a Internet, assistir à TV e falar ao celular. Pelo andar da carruagem, em breve o ambiente a bordo vai ser uma lan house voadora. É o pogréssio, diria Adoniran Barbosa.

Imagine essa zoada dentro de um tubo pressurizado que desliza por cima das nuvens. Centenas de passageiros, afivelados em poltronas estreitas, diante de telas nas quais cintilam cartelas de bingos, piadas, jogos de salão, fóruns de discussão sobre dietas e lipoaspiração, ferramentas de busca ao parceiro ideal naquele mesmo vôo. Claro, muitos vão preferir sintonizar a novela que estão habituados a assistir junto ao cônjuge, no sofá de casa. Afinal, por que se arriscar a descobrir que talvez na poltrona da frente esteja a pessoa dos seus sonhos?

Mas isto não é pobrema. O pobrema é que deslocar-se levando de arrasto um enxoval de velhos hábitos conspira contra uma tradição milenar. O momento da viagem sempre foi um rito de passagem. É uma lacuna, um lapso, durante o qual o viajante desfaz os laços com o mundo habitual sem ter ainda estabelecido contato com o lugar de destino. Mergulha num estado psicológico especial ao lidar com o desamparo, a aprendizagem e o desafio, mesmo que esse desafio seja achar um jeito novo de enfrentar o tédio. Já a tela do monitor é um continuum. Ela nos leva aos lugares de sempre.

De um século para cá, os aviões têm evoluído de forma espantosa em conforto e tamanho. Mas suas janelas continuam diminutas como as escotilhas dos navios. A indústria aeroviária, que agora se empenha em atrelar nossos olhos aos monitores, não foi capaz (talvez por falta de patrocínio) de criar janelas panorâmicas que nos permitissem apreciar, no cenário externo, recortes litorâneos, selvas, cordilheiras, cidades, nuvens, horizontes, crepúsculos.

Pensar num avião de vidro pode parecer um delírio, hoje. Mas não menos delirante teria sido, no tempo de Santos Dumont e dos irmãos Wright, a idéia de um dia se ter TV e Internet a bordo. Não é impossível que nossos tetranetos tenham o privilégio de viajar num avião transparente. Vão reencontrar no céu as mesmas estrelas vistas por nossos tetravós no convés dos navios. Quem sabe, é isso que nos faz falta. O verdadeiro pogréssio.

domingo, 9 de março de 2008

A VIDA ON LINE

Os ônibus de São Paulo mostram o aviso: Proibido o uso de aparelhos sonoros. Lei Municipal 6.681/65. Meus profundos conhecimentos jurídicos me permitem supor que os dois últimos algarismos referem-se ao ano. Desde 1965 (Help!) são 43 anos, tempo suficiente para uma lei pegar.

Essa, se pegou, só vale para o passageiro, não para quem explora a TV de bordo, cheia de anúncios. Pois dane-se o direito individual de ignorar baboseiras e novos lançamentos de xampus. No ônibus, no metrô, acabou o sossego.

Nos elevadores, além da TV, nota-se uma discreta redoma emborcada no teto. É a câmara do circuito interno. Ele grampeia o que cada um de nós faz lá dentro. Mesmo que você não faça nada, alguém saberá. É para o bem, uma voz dirá. Questão de segurança. É para que você, observado, possa gozar na plenitude o seu direito de não fazer nada no elevador. Até o dia em que ali houver serviço de bordo, bebedouro, engraxate, café expresso. Então afinal vão descobrir se você prefere açúcar ou adoçante.

Se querem “monitorar” você, não deviam informá-lo disso? Quando filmam, pelo menos colocam (a lei obriga, creio) o bonequinho amarelo com aquele aviso cretino, mas honesto: Sorria, você está sendo filmado.

Cresce a cada dia a teia tecnológica concebida para nos manter on line o tempo todo, desde que botamos o nariz fora de casa. George Orwell descreveu esse esquema de vigilância total em seu livro 1984, que apresenta o Big Brother pela primeira vez. Ele veio para ficar. Mas há esperança.

Hoje dei uma zapeada em Dez roteiros históricos a pé em São Paulo, livro recente da Ed. Narrativa-um. Ele propõe que se caminhe mais pela cidade. A idéia é boa para o corpo e a mente. Caminhar serve não apenas para queimar calorias, mas também para não queimar neurônios. Assim os poupamos da enxurrada de anúncios e informações indesejadas. Agora que as ruas estão livres de outdoors, a publicidade migra para os recintos fechados.

Não ouso aconselhar alguém a evitar elevadores, e usar mais as escadas. Mas ao entrar num deles pode-se dar as costas para a bolha negra no teto, que lembra uma sirene da polícia. Por falar nela, não faça gestos suspeitos no elevador. Nem com o batom ou o corta-unhas. De resto, fique tranqüilo: por enquanto a câmara ainda não lê pensamentos.