Nas quartas-feiras, dou aulas no décimo andar às 7h30 da manhã. Vejo pela janela o centro de São Paulo como uma massa acinzentada. Entre prédios sombrios, um facho de sol penetra por uma brecha estreita e faz resplandecer a bandeira nacional. Vejo-a drapejar à contraluz, a uns 100 metros de distância.
Minha relação com a bandeira brasileira sempre foi ambígua. Acho sua combinação de cores uma das mais belas do mundo. O desenho, um horror. Há algo de infantilizado ou banal na superposição de figuras geométricas. E o lema Ordem e progresso parece-me tão discutível quanto ineficaz, por ser escrito numa língua que, lá fora, quase ninguém entende.
Acho bregaça essa mania (mundial) de salpicar as bandeiras com estrelas. Melhor seria reservá-las para cotações de restaurantes. Os americanos têm na sua bandeira as estrelas todas arrumadinhas, como em prateleiras. Talvez no fundo preferissem ver o céu assim, e sob controle da Nasa.
Já a nossa bandeira, mais à vontade, expressa o jeitinho brasileiro. Mas foi idéia de um belga. Louis Cruls era diretor do Observatório Nacional e amigo do imperador. Quando proclamaram a república, para não ficar em maus lençóis, ele antecipou-se ao destino. Concebeu uma nova bandeira ao gosto da ideologia dominante, o positivismo, e apressou-se a apresentá-la aos novos donos do poder. A posição das estrelas no círculo azul correspondia ao céu do Rio de Janeiro às 8h30 da manhã de 15 de novembro de 1889. Uma imagiem factível, ou naturalista, ao contrário da bandeira americana, que é burocrática.
Detalhe: o astrônomo usou a imagem do céu invertida, para que a estrela isolada ficasse acima da faixa branca. Bem, então já não é o céu do Rio. É o céu de Cruls. Houve ali, além da questão política, digamos, uma intervenção estética.
Hoje, 120 anos depois, não estaria na hora de se fazer outra intervenção estética na bandeira? De minha parte, prefiro tudo mais simples, como na do Japão. Sem estrelas. Por isso proponho aquela, limpinha da silva xavier, que aparece lá em cima.
Vejam o que acham. Mas resolvam logo, antes que apareça um outro Cruls (petista, tucano ou coisa que o valha) com a idéia de colocar na nova bandeira as estrelas que aparecem no céu de São Paulo 7h30 da manhã. Não aparece nenhuma, garanto. Pelo menos às quartas-feiras.