sexta-feira, 10 de julho de 2009

O POETA QUE NÃO FOI À FLIP

Disseram na TV que a Flip tem algo de medieval. Não é que é mesmo? As ruas pedregosas de Parati ficam tomadas por trovadores, saltimbancos, franco-atiradores culturais, digamos, enquanto na Tenda dos Autores se desenrola um espetáculo midiático que a cada ano atrai mais celebridades. O resto é silêncio.

Pois vamos a ele, ao silêncio. Eu procurava às pressas um lugar para assistir à final da Copa do Brasil. Entrei num bar com telão, mas sem som, porque apresentavam música ao vivo. Travei uma conversa fortuita com outro colorado solitário na mesa ao lado. Enquanto havia esperança. Quando o Inter engoliu a primeira azeitona, tivemos a mesma ideia: chamar o garçom e fechar a conta. A pior coisa é pagar couvert artístico para ver o seu time fazer fiasco.

Eu não tinha razão para supor que voltaria a encontrar aquele outro infausto colorado. Mas eis que, na manhã seguinte, estou a garatujar uma matéria na sala de redação da Flip, quando ele de repente dá as caras. Pediu desculpas por interromper e me entregou um livro de poemas de autoria de seu filho, que não pudera vir a Parati. Um pequeno livro artesanal publicado em Recife, em 2006, intitulado Psiconáutica, com uma tímida palavra espremida no canto da capa branca: Trelles. Nome artístico do poeta André Telles do Rosário, pernambucano como o homenageado Manuel Bandeira, que aliás também não foi à Flip, mas lá estava.

O homem tinha ido a Parati para divulgar a obra do filho. Assim, na base da intrusão e do boca a boca. Longe do palco, da mídia, dos editores. Um trabalho medieval, se diria. E lotérico: algo como lançar ao mar uma mensagem dentro de uma garrafa. O pai do poeta foi breve. Ao se despedir, disse que ficaria grato se eu pudesse ajudar na divulgação do livro.

Não mencionamos a debacle do Beira-Rio. Mas, convenhamos, a chance de o Inter marcar os gols necessários para o título era a mesma de um jovem poeta independente (e distante) fazer ecoar sua voz em uma Flip cada vez mais vip. O pai do poeta parecia fadado a missões impossíveis. Também era poeta, a seu modo. Missões impossíveis têm de ser silenciosas, para se tornarem possíveis. Um segredo da alquimia.

Almocei lendo poemas de Trelles. Em uma página quase toda em branco, encontrei esta frase: "Não existem dois silêncios iguais".

14 comentários:

Zizi disse...

Minhas saudações às garrafas que flutuam em mares (cada vez menos salgados ao que parece) e às suas mensagens algo úmidas e talvez ilegíveis porém resilientes.

Érika Freire disse...

Jovens escritores sofrem! Qual é a sua dica para quem está começando nessa missão quase impossível? rsrs

Andarilho da Luz disse...

Meu amigo Renato, ao ler o teu blog, que sinal é sempre maravilhoso, eu acabei viajando junto com a garrafa que navega milhares de milhas em todos os tipos de águas marítmas para encontrar preciosidades imensuráveis. Assim sendo, não poderia deixar de pensar no obscuro Heráclito e sua teoria do fluxo ao refletir sobre essa coisa de que não existe dois silêncios iguais...
Por outro lado, nos deparamos com algo muito interessante que leva seus adpetos à grandiosidade e se chama perseverança, pois mesmo sabendo que seu filho é um "ilustre desconhecido", esse pai não perde e esperança e segue lutando dentro de um silêncio muito ruidoso, cuja força, move toda engrenagem da vitória.
Em relação ao tanque colorado, penso que a derrota se torna na grande motivação para a vitória e aí, voltamos ao exemplo dado pelo pai do poeta, PERSEVERANÇA...
Um grande abraço e mais uma vez, parabéns por mais essa pérola.

Rê Minami disse...

Comentando sobre um outro poeta que também fala do silêncio, você já leu o "Roubo do silêncio" do Marcos Siscar?! É, no mínimo, fantástico!

Bjs!

Anônimo disse...

Sábio poema!
Na final que você citou, a cada gol alvinegro o silêncio gaúcho era cada vez mais profundo.
Abraço de um são-paulino
Antonio

Leda Beck disse...

Pois é. A propósito de silêncios da grande imprensa na FLIP, fiquei indignada com a rígida fiscalização da prefeitura de Parati (e de fiscais da própria FLIP, pasmem) aos autores independentes e anônimos, que no ano passado enchiam as ruas com seus livrinhos feitos em casa - alguns contendo pérolas como a que vc citou. Perguntei porquê ao Mauro Munhoz, o capi di tutti i capi na FLIP, e ele respondeu com um rapídissimo "a FLIP não é um evento comercial". Ah, não? Então o que faz lá a enorme tenda da Livraria da Vila? E o que faturam os hotéis e restaurantes? E o dinheiro que vem do Itaú e de tantos outros grandes patrocinadores? É só pra trazer estrelas e agradar, ao mesmo tempo, editoras e a elite intelectual que vai lá passear? Sou a favor não apenas de liberar completamente o comércio independente, na rua, de livros e também de coxinhas e biscoitos (um jeito de o povo de Parati levar algum da festa), mas também de introduzir os poetas independentes e o espetáculos da Flipinha na Flipona - entre uma mesa de celebridade e outra, que tal?

Anônimo disse...

Renato, não é mágoa pessoal não, mas sabe-se que vender um livro depende só, somente só, de um pesado "lobby", patrocínio. Nunca tentei escrever, nem tenho essa habilidade, essa capacidade, essa inspiração, muito menos a devida "transpiração". Porém, vejo colegas meus tendo que bancar suas edições, a impressão de seus livros, tendo que presenteá-los para ter pelo menos uma satisfação pessoal. Talvez porque tudo o que merecia ser escrito já o foi. Abraços, Carlos Carrion

Unknown disse...

Rtp-i
Sem muito tempo, mas acompanhando o adjazzcencias....

Abs!

Um Professor Indignado disse...

Ontem, eu passei na Livraria Cultura do Shopping Bourbon, aqui em São Paulo, e um senhor, entre respeito, indignação, admiração, cansaço, sei lá, soltou a seguinte frase: "Isto aqui é um shopping de livros!". Creio que a problemática seja outra: não temos leitores suficientes. A Internet agora é tão poderosa que uma pessoa poderia ficar conectada 24 horas e ainda não a esgotaria. E nada contribui para a leitura hoje: é TV ligada, jogo de futebol todo dia, ônibus e metrôs lotados, até as livrarias hoje viraram mais ponto de encontro do que outra coisa. Eu sou um resistente: compro pelo menos um livro por dia e leio sempre que possível. Sobre futebol, não quero acreditar em teorias conspiratórias, mas curiosamente o Corinthians está ganhando todas ao final do mandato do Lula ... Curioso, não? Isso me lembra os períodos mais duros da ditadura.

Um Professor Indignado disse...

Onde vocês leram por dia, retifico: compro um livro por mês.

Mauricio disse...

Emocionante a estória desse pai divulgando o livro do filho. A grande maioria dos pais é assim. Eu pelo menos penso que sou. Só tenho uma filha e não sei o que não faria por ela. Carlos Drumond de Andrade tinha uma filha à qual dedicava sua vida. Conheci um pai que conseguiu pagar a faculdade de Direito de seu filho com muito esforço. Depois foi de porta em porta pedir votos para seu filho, que se elegeu vereador. Esse filho era sua maior alegria e seu maior orgulho. O Trelles tem mais sorte: além de um pai dedicado encontrou um padrinho que o divulga.

Mauricio disse...

Emocionante a estória desse pai divulgando o livro do filho. A grande maioria dos pais é assim. Eu pelo menos penso que sou. Só tenho uma filha e não sei o que não faria por ela. Carlos Drumond de Andrade tinha uma filha à qual dedicava sua vida. Conheci um pai que conseguiu pagar a faculdade de Direito de seu filho com muito esforço. Depois foi de porta em porta pedir votos para seu filho, que se elegeu vereador. Esse filho era sua maior alegria e seu maior orgulho. O Trelles tem mais sorte: além de um pai dedicado encontrou um padrinho que o divulga.

Anônimo disse...

Trelles é brilhante e sensível. É poeta, jornalista, pesquisador, mestre em Literatura e dedicado doutorando. Tive o orgulho a pessoa e a obra, além de seus melhores pensamentos.

Shima disse...

Caro Renato,
Trelles fará o lançamento de seu primeiro livro de contos - QUE LEI QUE NADA - nesta terça-feira próxima, cosendo-se à margem da Bienal do Livro de Pernambuco. Também trará à luz seu terceiro livro de poemas - ABRAÇO. Seu novo website, ainda em gestação, já arrisca um release: http://www.trelles.art.br
Sigo lendo outras adjazzcências! Saudações literárias