Está provado: a maior causa das separações é mesmo o casamento. Vi isso, faz pouco, no trailer de um filme argentino. Mas havia muito suspeitava do facto.
Na manhã chuvosa da segunda-feira, uma oficial de justiça veio brindar-me com um documento de sete páginas. Nele, uma senhora com a qual coabitei, anos atrás, pleiteia que eu quase triplique a pensão que lhe pago pontualmente para o sustento de uma filha. Como se sabe, no Brasil, professores ganham rios de dinheiro. Temos contas na Suíça e em todos os paraísos fiscais.
A alegação é frouxa. Porém, para meu assombro, a juíza intima-me a pagar a quantia reajustada antes mesmo da primeira audiência. Incrível, esse escorchamento tem amparo legal. É uma lei do tempo do Gumex: dura lex sed lex.
Sou zero em Direito, mas interpreto a medida como um prejulgamento. Sempre ouvi os ilustres sentenciarem: in dubio pro reo. Nas peladas da praia do Cassino não se falava latim, mas mesmo lá não havia dúvida: bola prensada é da defesa. O problema é que a mulher, pelo mero atributo da maternidade, é presumida como sendo a parte defensiva, mesmo quando ataca.
O feminismo foi um avanço, mas impregnou a mentalidade moderna com uma premissa arcaica: todo homem tem algo de Pôncio Pilatos, toda mulher tem algo de Maria Santíssima. É como se a maternidade fosse um valor em si, acima do bem e do mal. Não raro, vemos mulheres usarem os filhos como escudo.
Para uma mulher, é fácil provar ao juiz que um homem prejudica os filhos por conta da tirania ou do abandono, quando não lhes provê o sustento. Para um homem, é quase impossível demonstrar que uma mulher causa danos equivalentes aos filhos, ou talvez maiores, pela chantagem emocional, pela manipulação minimalista do cotidiano, por guardar o rancor num frasco de perfume. São os venenos sutis.
Esses mesmos venenos sutis podem minar um casamento. Quem sabe a solução seja cortar o mal pela raiz. Solteirão empedernido, o compositor Johannes Brahms disse uma vez: "Infelizmente nunca casei e, graças a Deus, ainda estou solteiro". Ainda mais perspicaz foi meu ilustre conterrâneo papa-areia, o Barão de Itararé: "A mulher deve casar. O homem, não".
13 comentários:
Caro Renato
Seu comentário foi postado às 10:26 - oito horas depois e nenhum comentário (???), nem elogiando o primoroso estilo, como sempre.
Quem atiraria a primeira pedra, com tantos telhados de vidro, ou a primeira flor?
Somos todos solidários com os solteiros, os casados e descasados e seus rebentos, solitários ou não, que apenas dançam conforme a música.
Só não perdoamos a oficial de justiça! Triste missão.
Abraços
Antonio
Mais uma vez, professor, aplaudo, desavergonhadamente, de pé.
Muito boa crônica, magnífica abordagem!
Oi Renato,
Fico de cara com a situação.Com o rancor guardado no frasco de perfume e outras mil coisas que a natureza feminina é capaz. Obviamente existem outras mil na natureza masculina. Mas esse não é o ponto. Porque é tão raro o bom senso de ambas as partes?
Talvez eu seja mesmo privilegiada. Passei por três casamentos e sou verdadeira amiga dos queridos maridos. Tenho dois filhos do segundo casamento. Saí da casa, quero passar o ap para o nome deles. Dividimos as despesas de escola e afins. Em pensão nunca pensei, me sentiria ridícula.
Acabo de separar-me do terceiro. Vivíamos numa bela casa alugada ( que está no nome do pai dos meus filhos) Pois decidi sair, adoraria ficar com a casa mas alí tinhamos quatro cachorros e dois gatos__ e quem passa a maior parte do tempo com eles é ele. É estranho para mim entrar ali. A casa começa a vestir uma forma diferente. Os móveis que brinquei um a um rapidamente adquiriram outra estética, outros poucos permanecem ali relembrando relembrando.
Em algum momento pensei em deixar tudo por ali. Mas hoje ando pensando num canto para mim e vou levar esses utilitários_ os mais queridos.
Esse teu post me pegou justo no momento de separação e penso tanto tanto...
Tereza Prado
É meu caro, a vida é dura. Na hora do bem-bom, vem cá meu bem. Agora, na separação é vem cá meus bens. Sua filha tá crescendo e as despesas também. Os preços precisam ser reajustados. Guardemos os rancores e vamos à realidade. Do contário, alguém que não tem nada com as desavenças pode pagar o pato no futuro e já deve tá pagando.
Portanto, meu caro tira o escorpião do bolso. "Paga e não chia", como se dizia lá em Minas.
Renato, não chore e pague. Dá cadeia, se você não sabe. Tudo isso amigo é resultado de cinco mil anos ou mais em que as mulheres foram exploradas, abusadas, ridicularizadas, diminuídas em seu potencial pelos homens. Reagiram. Sou pai de duas mulheres e feminista até os ossos. Agora, como as eduquei? Filhos não são obrigatórios e somente devem ser concebidos se o casal, num processo harmônico e equilibrado, puder educá-los financeira e moralmente de modo equânime. Nós homens precisamos aprender uma lição: amor é bom, sexo é bom, conviver com uma mulher é fantástico, mas ficar gerando filhos a qualquer custo pode nos deixar em fria. Eu ajudei a gerar as duas meninas e, depois, vasectomia. Quanto à justiça, se a sua ex-companheira precisa de mais grana, não há o que fazer. E, se você não é um pai participante, pode ainda correr o risco de processo por parte da criança.
Caro Renato,
Talvez devesse alcunhá-lo de Claro Renato! Mais um texto pequeno, direto e... brilhante. Casei-me duas vezes, minhas esposas também. Como não deixei herdeiros (por enquanto), resta-me só a cumplicidade masculina para entender o seu (quase) dilema. Custa-me aceitar também o peso que pende sobre a balança do homem no caso da “separação com filhos”. Afinal, não os geramos sozinhos. Machismos à parte, que tipo de igualdade de direitos e deveres pretendem algumas das mulheres que um dia foram esposas?
Ricardo Gomes
Caro amigo Renato:
Falo primeiro como advogada: seu argumento contra a "dura lex sed lex" é frouxo.
Ao receber a citação para triplicar a pensão de sua filha, você, representado por seu advogado, deveria ter entrado de imediato com um agravo, com pedido de urgência,
perante o Tribunal de Justiça, que certamente lhe concederia uma liminar suspendendo ou atenuando a liminar anterior. Não há nenhum escorchamento legal. A lei é geral, não se prende à variedade de casinhos pessoais. Ela tenta apenas preservar a pensão alimentícia da crônica morosidade processual. O remédio tardio é tão ineficaz quanto a falta dele. Cabe ao réu demonstrar suas reais possibilidades.
Falo agora como mulher e sua amiga: a maternidade não é "mero atributo feminino". A natureza foi inclemente com as mulheres. Gerar um filho e carregá-lo no ventre por nove meses, arriscando, muitas vezes, a própria vida não pode ser classificado como mero atributo. Contrariamente aos homens, fidalgos da natureza, coube uma participação prazerosa e fugaz. A esta caberia melhor a frase: mero atributo masculino.
Além do mais, amigo querido, uma crônica tão pessoal e amarga pode acarretar danos à pessoa que vai receber os alimentos. Já pensou nisso?
Se fui muito dura, peço perdão. A sinceridade é atributo da verdadeira amizade.
Adélia Dias Baptista
Pois é, meu caro amigo, pois é...
Eu penso que o erro foi do primata que deveria ter dado beijinhos e não paulada na cabeça e arrastar pelos cabelos...
Quem sabe assim, elas entenderiam que após isso, quando o homem deixou de ser um pré-histórico, nunca deixou de tratar a mulher como alguém muito especial neste plano terreno.
Há um engano muito grande,quando se atribui ao homem, uma série de crueldades contra as mulheres. Talvez o tal tratamento cruel, seja fisicamente, mas não é da natureza masculina, certos tipos de comportamento, como se fazer de vítima para conseguir algo que se sabe não ser o correto. Bem, preciso tomar cuidado para não ser alvo de alguma vingança feminina( e aí está a tal natureza)kkkkkkkkk
Fatos a parte, seria muito interessante saber o que pensa a filha? Será que ela concorda com a mãe?
Eis aí uma ótima questão...
Amigo, tenha certeza de uma coisa, a mentiram,assim como a vingança, possuem pernas bem curtinhas.
Primoroso conteúdo, o ponto de vista de quem se vê lesado, no caso um homem, o que já é raridade, pois chavão é a mulher submissa e explorada; mas diante da experiência dos fatos ganha mesmo quem tem o(a) melhor advogado(a).
Sou divorciada, tenho uma filha e nunca exigi que meu ex-marido sustentasse minha filha sozinha. Como a fizemos os dois, por comum acordo, acredito que temos que dividir, igualmente, as responsabilidades pela sua educação e sustento. Além disso, sou uma mulher inteligente, saudável e com grande capacidade de trabalho. Não sei por que razão deveria caber só a ele o sustento dela - como, da mesma forma, não deveria caber só a mim. Prefiro que ele divida comigo as despesas e também a atenção, o cuidado e o carinho que ela merece. E assim tem sido, com conflitos eventuais, mas tenho certeza de que estamos no caminho mais correto e justo para nós três.
Renato, a primeira resposta é - verdade, o Renato está certo. Mas acho que não. Suas palavras mostram um distanciamento emocional muito grande, tanto da mãe quanto, e principalmente, da filha, ao expô-la publicamante, num texto feito para ser lido por centenas, milhares de pessoas. Se sua intenção era mostrar que, para a mãe, "isso tudo" é quase apenas um mero negócio, deixou claro que você está reclamando do preço da mercadoria, como fazemos quando a Telefonica eleva os preços das chamadas. Não há um mínimo meio grama de amor em sua fala. E, convenhamos, para os que o conhecem, esse casamento e a posterior paternidade sempre soaram estranhos, solteirão empedernido que você sempre foi, e continua sendo. Tive três casamentos, uma filha, e sou amigo de todas as ex, além de morar com a filhota - e com minha companheira. Tivemos relações, eu e elas, e com o final do amor, sobrou, se não a amizade, respeito. Nunca uma delas pensou, sequer cogitou, em exigir pensão, essa coisa grotesca. Uma relação que termina assim, com esse distanciamento amargo, que exige polícia, oficial de justiça, juíz e - talvez - cadeira, deve ter sido dolorosa, nada íntima, e estragado bastante da vida de vocês dois. Você deveria, no mínimo por educação, quando não mais por outra razão, manter a vida pessoal de sua filha reservada. Não colocá-la na tribuna de um blog, como se ela fosse apenas um motivo para sua redação. Que é boa, sim, se é isso que você queria ouvir. Não defendo a moça, que conheci pouco, mas me entristece ver você tão endurecido e cego. E solitário, óbvio.
Caro Renato, estou no ultimo ano do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso), estou desenvolvendo um trabalho de conclusão de curso sobre um Terminal Rodoviario e lendo alguns artigos percebi que vários deles cita nas referências um artigo seu publicado na revista Quatro Rodas, no ano de 1989 com o titulo "Cinco mil anos de loucuras no trânsito". Gostaria de ler este artigo, porém não o encontro em lugar nenhum, se por acaso você ter ele em seu arquivo pessoal e puder me disponibilizar, ficaria muito grato!
Aguardo uma resposta sua!
Meu email é: custodiodr@hotmail.com
Desde já agradeço!
Postar um comentário