A novela tem um nome meio batido, Cama de gato. É o título da tradução brasileira de Cat's Cradle, de Kurt Vonnegut, e de um filme de Alexandre Stokler. João Bosco usou a expressão na letra de uma canção.
Na novela da Globo, cama de gato sugere a brincadeira de enlaçar um barbante nos dedos para formar figuras. No futebol, porém, identifica uma jogada que no passado gerou polêmica. Antes não era falta, agora é.
O esplêndido Museu do Futebol, no Pacaembu, pisa na bola ao descrever a cama de gato. Informa erradamente tratar-se de um lance no qual um jogador, ao saltar na disputa da bola aérea, cometeria falta sobre o que fica por baixo dele. Na verdade, é o contrário. O faltoso é o que, por não saltar, não serve de anteparo ao outro, que se desequilibra no ar.
Os dicionários Houaiss, Aurélio e Aulete acertam ao descrever o lance, mas não coincidem na grafia. Só o Aulete aplica hífens: cama-de-gato. A meu ver, é o correto. Trata-se de uma expressão de sentido figurado. Que eu saiba, gatos não têm cama. Bem, para mim, admito, todos eles são pardos.
Regras ortográficas como a do uso do hífen podem ser tão controversas e sutis quanto as ditas coisas do futebol. É puro chute, a meu ver, supor se um jogador teve ou não a intenção de fazer a falta. Como sabê-lo? Gostaria de ouvir o grande Zeca, que já foi juiz de verdade. Mas ele há muito já não nos dá a honra de sua companhia e de sua sensatez no café da manhã (que antes não tinha hífens, depois teve, agora perdeu).
A cama-de-gato, que prefiro hifenizar, não devia ser falta. O jogador que não se move, ora bolas, não pode ser penalizado por algo que não fez. Se o de cima cai, é com seu próprio impulso. Foi sua opção tentar subir mais alto e se apossar da bola. O de baixo pode até propiciar a queda do outro, mas não a provoca.
Em suma, o jogador que salta, que nem faz o gato, é que devia ser tido como o verdadeiro autor da cama-de-gato. O de baixo, quando muito, entra com os hífens. Aí é falta, claro. Nem precisamos ouvir o Zeca. Basta olhar no Caldas Aulete.
5 comentários:
Renato, boa essa, bom esse conceito de que quem nada faz, de quem que fica passivo, não pode ser um faltoso Mas um ponto mais significativo foi a análise sobre o uso do hífen. Aliás, as modificações no uso do hífen pouco me preocuparam. Eu nunca soube usar o hífen, não sabia se devia escrever "tudojunto", se eram duas (ou mais) palavras separadas, ou se deveria ser usado o hífen. Agora, com a reforma eu desaprendi o que já não sabia. Aí, consulto o "google". Abraços, Carrion
Amigo Renato - estas medidas acadêmicas, em prol da uniformização do Português nas várias regiões onde é falado, são irritantes e, a meu ver, estéreis. O idioma não nasce na Gramática, nem no dicionário, e muito menos nas afetadas Academias de Letras. Ele vem das ruas, do falar cotidiano de várias regiões, trazendo consigo a riqueza da diversidade. O dicionário é apenas o ponto de partida, mas a viagem continua em busca da história, do sentido mais aproximado possível à realidade.
Falamos e escrevemos o mesmo idioma de Mia Couto, José Saramago ou do
fazendeiro e poeta Manoel de Barros, nascido em Mato Grosso. Cada qual brinca, descasca, mordisca e tempera a palavra com sutilezas regionais que levam o leitor atento ao delírio. As palavras são manhosas, pertencem a um terreno ilimitado e mágico, detestam ser congeladas ou atadas a hífens confusos e inúteis.
Um singelo exemplo: conversando com um motorista em Coimbra, comentei a beleza de um jardim, ao que ele me respondeu: "de facto, senhora, ele é muito engraçado".
Não é lindo?
Abraços
Adélia Dias Baptista
Renato, muito boa. Concordo com quase tudo, principalmente com a história do hífen.
Mas como fui boleiro,no velho Minuano, junto com Ronaldo, Vadico, Paulo e Cia, ouso discordar um pouco quanto à famosa cama-de-gato. Como atacante, no cabeceio, sofri muitas e espetaculares. Acho que ela deve ser punida, sim. A queda, para quem sofre a cama-de-gato, não é brincadeira. Só quem já sofreu é que sabe...
Oi Modernell!
Muito bom! Como sempre uma "delícia" seus escritos. Fluem leves e soltos com a intimidade de quem conhece a "bola" e sabe como marcar um Gol. Se cama-de-gato (também prefiro com hífen) é de quem pula ou não ou se deve sofrer punição, parece que há controvérsias. Ok, você deve saber melhor que eu. E essa miscelânea que fizeram com o hífen, é de "doer", não é?! Isso é que dá nascer em terras "portuguesas com certeza"! É tudo de bom e também tudo de ruim...! Bem, como seria se tivéssemos nascido nas ilhas Seychelles? Seria melhor?! Ih...teríamos que viajar muito pra ver a Copa 2014 no Brasil!!! Abs
Regina
Caro Modernell, a cama-de-gato (com hífen, sempre) pune a atitude daquele que não quer mostrar atitude. Como já está dito em alguns comentários aqui no blogue, quem se inclina para baixo numa jogada pelo alto coloca em risco a integridade física do adversário. É uma infração. Leve, mas infração.
Infração maior é a que venho cometendo, ausente de nossos cafés-da-manhã ou pequenos-almoços (que com hífen ficam mais saborosos).
Forte abraço.
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