
Imaginemos o fole do bandoneón como sendo o curso da vida humana. Sabemos que sua duração média se expande, mas isso não implica que nos tornemos melhores ou mais criativos. A expansão se concentra nas extremidades. Embaixo, junto à mão esquerda de Piazzolla, situa-se a velhice, que a linguagem corporativa escamoteia com essa bobagem de "terceira idade". No alto, a adolescência, rompante.
Ah, não é fácil adolescer. Já é envelhecer, sem saber. E como saber? A universidade empapuça os jovens de informações, mas fracassa no que deveria ser sua missão essencial: acolher pirralhos e desovar adultos. A alquimia não acontece. Marmanjos continuam a se portar como infantes travessos, mesmo com diploma na mão. Não sobreviveriam um dia sem seu suspensório financeiro, a mesada, ou sem essa mamadeira moderna, o telefone celular.
Fala-se na "geração canguru", jovens que se recusam a deixar a casa dos pais. Ao protelar o conhecimento que gerações anteriores semearam nos caminhos do mundo (tabus, desafios, tradições e contradições) eles cultivam uma espécie de esquecimento cultural. Um Alzheimer coletivo, digamos. Isto torna a adolescência cada vez mais longa.
No outro extremo do bandoneón, a velhice também está, por assim dizer, inflacionada. Vive-se cada vez mais, porém (é claro) cada vez menos como se vivia antes. Toca-se o barco com um crescente grau de dependência em relação aos que estão em idade produtiva, na forma de cuidados, consolo, assistência, pensões, remédios, aparelhos. Outra "geração canguru", semelhante à adolescência, se espicha na parte de baixo do fole, junto à mão esquerda de Piazzolla.
Já o segmento central do bandoneón não se expande muito. Permanece mais ou menos como sempre foi. No entanto é ali, nas décadas velozes que correspondem à vida adulta de uma pessoa, que brotam os pilares da civilização: a pirâmide, a semente, o metrô, o remédio, o tempero, a teoria, a pintura, o verso inspirado, a sinfonia, a ponte pênsil.
Sustentar extremos não é tarefa fácil. Bem, fazer o que Piazzolla fez com o tango, convenhamos, também não era.