Visitei São Paulo pela primeira vez quando ainda usava suspensórios. Os luminosos me agradaram tanto ou mais que as escadas rolantes. Na hora em que aquilo se acendia, à noite, uma cidade de néon surgia acima de todos os mortais. Alguns painéis piscavam, outros mudavam de cor, outros se reconfiguravam ao longo de diversas fases. Os luminosos conversavam entre si em seu idioma secreto.
Na Nove de Julho, um outdoor ostentava, incrustada, a metade de um caminhão de verdade. Parecia suspenso por um guindaste invisível, a uns vinte metros do chão, e basculava a caçamba sob uma luz teatral. Lá naquelas alturas, o caminhão ganhava status de astronave. Podia ser um prenúncio de Fellini. Mas como sabê-lo, com tanto Gumex no cabelo?
Na São Luís, diante do antigo prédio do Estadão, vi as notícias deslizarem na esteira luminosa que conferia à fachada um certo aspecto natalino. As frases, fugazes como legendas de cinema, eram logo tragadas pela escuridão. Tive a vertigem da notícia em tempo real, como na internet. Cogitei ser jornalista. Não que me interessassem os acidentes ou as trocas de ministros. Interessava-me o painel luminoso em si. Só agora escrevo sobre ele, meio século depois.
Na São João, deparei com o luminoso mais emocionante de todos, o do falecido uísque nacional King's Archer. O arqueiro disparava uma flecha que ia mudando de cor em direção à borda do painel. Durante décadas não me lembrei dessa imagem remota. O luminoso do arqueiro só reacendeu na minha memória com uma metáfora de Schopenhauer que considero perfeita: ter talento é acertar um alvo que ninguém acertou; ser gênio é acertar um alvo que ninguém viu. Exatamente o que eu presenciara, no inverno de 1960, no topo daquele prédio. A flecha viajava na escuridão e, de repente, batia na garrafa, que acendia como num passe de mágica.