segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

OS LUMINOSOS DE SÃO PAULO

Visitei São Paulo pela primeira vez quando ainda usava suspensórios. Os luminosos me agradaram tanto ou mais que as escadas rolantes. Na hora em que aquilo se acendia, à noite, uma cidade de néon surgia acima de todos os mortais. Alguns painéis piscavam, outros mudavam de cor, outros se reconfiguravam ao longo de diversas fases. Os luminosos conversavam entre si em seu idioma secreto. 

Na Nove de Julho, um outdoor ostentava, incrustada, a metade de um caminhão de verdade. Parecia suspenso por um guindaste invisível, a uns vinte metros do chão, e basculava a caçamba sob uma luz teatral. Lá naquelas alturas, o caminhão ganhava status de astronave. Podia ser um prenúncio de Fellini. Mas como sabê-lo, com tanto Gumex no cabelo?

Na São Luís, diante do antigo prédio do Estadão, vi as notícias deslizarem na esteira luminosa que conferia à fachada um certo aspecto natalino. As frases, fugazes como legendas de cinema, eram logo tragadas pela escuridão. Tive a vertigem da notícia em tempo real, como na internet. Cogitei ser jornalista. Não que me interessassem os acidentes ou as trocas de ministros. Interessava-me o painel luminoso em si. Só agora escrevo sobre ele, meio século depois.

Na São João, deparei com o luminoso mais emocionante de todos, o do falecido uísque nacional King's Archer. O arqueiro disparava uma flecha que ia mudando de cor em direção à borda do painel. Durante décadas não me lembrei dessa imagem remota. O luminoso do arqueiro só reacendeu na minha memória com uma metáfora de Schopenhauer que considero perfeita: ter talento é acertar um alvo que ninguém acertou; ser gênio é acertar um alvo que ninguém viu. Exatamente o que eu presenciara, no inverno de 1960, no topo daquele prédio. A flecha viajava na escuridão e, de repente, batia na garrafa, que acendia como num passe de mágica.

11 comentários:

Anônimo disse...

Que belo texto! Amei! Dora Sverner

Anônimo disse...

Texto PRIMOROSO, Renato!
Você certamente sabe que tem pouca gente escrevendo assim (e não só cá no velho Pindorama)...

Abraço,

Fernando Monteiro

Anônimo disse...

Renato
Um texto que dá o sabor da introdução de uma longa e agradável história (vale um livro).
Que distância entre os nostálgicos e agradáveis néons e luminosos da São Paulo de décadas atrás até a Xangai psicodélica que obrigou o seu banimento recente? Uma Babel metropolitana nunca vai conseguir conciliar o gosto pessoal de populações tão diversas, grande parte oriunda há poucos anos ou há poucas gerações de outras regiões e países. Só quando as condições urbanas ultrapassam o limite desesperador alguma mudança é promovida. Que fazer senão continuar garimpando os locais que falam a língua de cada um, sempre aprendendo um pouco de novos idiomas.
Abraço
Antonio

Milton Bellintani disse...

A crônica piscou em meio à longa noite de textos apressados da internet, roubando a atenção dos passantes – como os néons da São Paulo dos anos 1960.

Claudio Larangeira disse...

Renato. Como sempre um texto maravilhoso. Nascí e crescí nessa cidade e me emocionei ao relembrar.
Não sei se voce conheceu, mas tinha um neon, na Avenida São João com Anhangabaú, onde dois porquinhos puxavam e soltavam uma fieira de salsichas. Boas lembranças. Um ótimo 2011 prá voce.

Um Professor Indignado disse...

Somente alguém com alma de poeta e literatura na veia poderia escrever um texto desse naipe, sobre uma cidade tão feia, estressante e desorganizada. Parabéns, Renato. Quem sabe aprendamos a ver as coisas de modo mais pueril e sensível como você.

Blogger disse...

Belissimo, Renato!
Uma homenagem e tanto para São Paulo dos tempos que não voltam mais....

Anônimo disse...

Belíssimo esse texto, Renato,recordações do tempo da criatividade, em que tudo parecia mágico, porque eras criança, por tudo era mesmo magia. Abraços
Carlos Carrion

Anônimo disse...

Obrigado por dividir esse belo passeio por uma São Paulo tão mágica.
Abraço,
Jorge Tarquini

Anônimo disse...

São Paulo dos luminosos se foi. Sempre me fascinaram aquelas luzes das placas de cidades como Tóquio. Hoje SP só tem aquelas plaquinhas, que não permitem nem identificar direito o nome das lojas.A Lei se impôs. A cidade escureceu, perdeu os brilhos dos luminosos refletidos à noite. A censura às cores foi estabelecida com um nome : Cidade Limpa. Pergunto: limpa de quê?

VELLOSO disse...

Sr. Renato, emocionante o seu relato sobre os luminosos da nossa Capital Bandeirante. Eu também fui pela 1º vez em 1954, no 4º centenário de São Paulo que foi comemorado em conjunto com as comemorações da revolução constitucionalista de 1932, dia 9 de julho de 1954,uma dupla festa maravilhosa! Muita gente não gostou da dupla comemoração, deveria ser separados. Eu fiquei hospedado num apartamento na Av. São João, em frente as Lojas Garbo. Em 1962 voltei e fui trabalhar no Banco Nacional de Minas Gerais S/A, Av. Ipiranga Nº 871, ao lado do Cyti Bank esquina com a Av.São João. Recordo-me de tudo o que o Sr., relatou e muito mais. Os magazines, da São João, o relógio verde do City Bank, Café Caboclo, na esquina, e do outro lado o Bar Brahma, Salada Paulista, e as lojas de ótica e fotos da Rua Conselheiro Crispiniano e o Mappin na esquina e tantas outras. Em 1963 comprei a minha 1ª máquina fotográfica, saí da loja Cassio Munis, coloquei um filme e, fui direto para o viaduto Santa Ifigênia, e de lá olhando para a Av. São João estava, o imponente Arqueiro do rei. Pena que a foto é preto e branco. O arqueiro era verde. Tomei esse Whisky, foi só um gole, mas não desceu. Abraço
Francisco Velloso Neto
Ubatuba SP. 17-05-2020