quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A PÁTRIA EM PEDAIS

Domingo ensolarado. A magrela que alugo no metrô Anhagabaú dá de dez nas tranqueiras que já me empurraram nos parques. Limpa, novinha, regulada e com enxoval completo: cadeado e capacete. Tem três marchas. Ótimo. Não preciso de quinze. Não vou sair de São Paulo.  

David Byrne leva sua bicicleta dobrável na mala quando sai para tocar pelo mundo. Ele acha as formidáveis ciclovias de Berlim menos instigantes do que o trânsito caótico de Istambul. Penso então: vai ver, o Anhagabaú tem algo do Bósforo e nunca me disseram nada.

Moradores de rua se espreguiçam lentamente ao sentir a aproximação, também lenta, da viatura policial. Domingo, ninguém tem pressa. Eu é que haveria de ter? Pedalo devagar no amplo piso de pedras portuguesas. O sol da manhã resplandece no Teatro Municipal. Andar de bicicleta sempre me pareceu um ato libertário. Como na dança ou no sexo, o equilíbrio depende do movimento.

As ruas do centro estão vazias. Nem os gatos acordaram. Não ouso entrar de capacete no Mosteiro de São Bento, embora pudesse deixar a bicicleta no estacionamento.  Opto por tomar um café no Girondino, que aos domingos tem a atmosfera vivaz das padarias descoladas. Surgem ciclistas estilosos, em bicicletas flamejantes. Não me vejo numa tribo dessas. Mas tampouco diria: dessa água, não beberei.

No Mercadão, permitem-me entrar empurrando a bicicleta. Esse veículo feito de peças finas e estruturas vazadas é algo genial. Mais leve que o corpo do condutor, a bicicleta é silenciosa e essencial como uma fruta. Vejo pilhas de jabuticabas viçosas: primavera.

Depois circundo o Mercado para apreciar detalhes externos do prédio. O ciclista tem uma visão mais panorâmica que a do motorista; e sua observação é mais dinâmica que a do pedestre por assemelhar-se ao efeito de uma câmera em travelling. Outra vantagem ninguém o aborda para pedir ou oferecer coisas.  

O único drama do ciclista é quando ele vê o chão dobrar-se à sua frente. Após três horas de vadiagem em pedais, chego ao sopé da Ladeira Porto Geral, suplício de quem faz compras na Vinte e Cinco de Março. Sonho com uma bicicleta dobrável. Mas de dobrável mesmo, nessa hora, só tenho o boné.

6 comentários:

Analu disse...

Que delicia um passeio no Centro de bicicleta... Qualquer dia vou experimentar. Apesar de ser uma ciclista bem sofrível.
Beijo

Analu disse...

Que delicia um passeio no Centro de bicicleta... Qualquer dia vou experimentar. Apesar de ser uma ciclista bem sofrível.
Beijo

Analu disse...

Que delicia um passeio no Centro de bicicleta... Qualquer dia vou experimentar. Apesar de ser uma ciclista bem sofrível.
Beijo

Anônimo disse...

Renato
Inevitável acompanhar o seu passeio durante a leitura. Digo acompanhar com direito a aromas, brisas, vozes, ruídos e surpresas visuais. Dá até pra enxugar o suor da testa com o boné ao final. Faltou no “Imagine” uma estrofe do Lennon sobre um mundo sem automóveis, talvez uns poucos taxis. Só trens, metrôs e bicicletas, onde não se pudesse chegar caminhando.
Abraço
Antonio

Sérgio Queiroz disse...

Passeio de bicicleta é sempre uma maravilha, ainda mais na praia onde moro, hehehehe.

Mas Renato o meu assunto aqui é outro. Achei um pen-drive que possui alguns arquivos com o nome Renato P. G. Modernell, seria seu?

Um abraço.

Um Professor Indignado disse...

Como sou péssimo com quaisquer máquinas, risos, não me atrevo a circular de bicicleta. Prefiro andar a pé mesmo. Mas, o Renato é um poeta. E o automóvel ainda será um veículo preponderante ainda por muito tempo.