segunda-feira, 22 de outubro de 2007

MORIN E A CHINA

O pensador francês Edgar Morin rememora sua viagem à China, em 1992, na entrevista concedida a Andrei Netto e publicada domingo retrasado no Estadão. “Pude comprovar a curiosidade e também a inteligência que talvez tenha origem nas fusões do taoísmo e do marxismo”, diz ele, referindo-se à juventude chinesa.

Contraponto instigante. O marxismo interpreta a vida social de modo evolutivo. Uma flecha desliza no ar em busca de um alvo hipotético, a igualdade. Seu propulsor é a luta de classes. Ou seja, a oposição de forças contrárias.

O taoísmo enfatiza não a disputa, mas a alternância. Não se trata de um movimento progressivo, mas giratório. O alvo não é algo externo, distante. Em vez da flecha, temos um carrossel. O eterno retorno. A China gira em seu próprio eixo. Abre e fecha, abre e fecha, ao longo dos séculos. Ninguém a entende. Só depois.

Há dez anos os chineses, que ainda ostentam a foice e o martelo, preservam seu enclave capitalista, Hong Kong, como um ambiente de proveta para monitorar as mutações de um vírus. Mas aplicam o resultado desses estudos do lado de fora de suas fronteiras. Inundam o mundo com bugigangas a preços incomparáveis. Eles são possíveis, sabemos, à custa de uma massa humana submetida a um regime de trabalho não muito diferente dos antigos egípcios que carregavam pedras para as pirâmides.

Os chineses disseminam uma espécie de “capitalismo pit bull”, expressão que tomo emprestada de um professor da Unicamp, Francisco Foot Hardman. Os marxistas chamariam isso de “contradições”. Ué, onde já se viu acender uma vela para Deus e outra para o Diabo?

Mas o taoísmo não tem essa de “contradições”. Tudo está contido no símbolo yin-yang. Naquele círculo em preto-e-branco, que gira como um carrossel, uma bolinha (uma Hong Kong) indica a presença de cada um dos elementos dentro do campo oposto. O individualismo gera dentro de si uma espécie de nostalgia humanitária, e vice-versa.

Aos chineses de hoje caberá descobrir como será possível construir um mundo mais solidário sem abrir mão dos fones do ouvido. Sejamos otimistas. A salvação sempre foi um milagre.

7 comentários:

Geremias disse...

Renato, plenos de contradições esses chineses são mesmos. De um lado, a tal da medicina literalmente milenar, eficiente, holística; de outro, uma crueldade insana com animais, cães, gatos, ursos, tigres. Eles nos são ainda mais desconhecidos, estrangeiros, que os enlouquecidos filhos de Maomé que se explodem...

Geremias disse...

Ei, Renato, esse Antonio aí de baixo é o Geremias, certo? sei não, acho que esse seu blog tem um chinês invertendo os nomes de apresentação...

Anônimo disse...

Renato, quem diria, este momento glorioso do capitalismo agora na primeira década do século 21 deve-se ao hoje tão execrado Camarada Mao. Sob a complacência do ocidente ele ajudou a manter e ainda fortaleceu a milenar tradição de obediência e submissão dos chineses. Sufocou todo e qualquer espírito de rebeldia, toda a contestação. Entregou ao "Capitalismo Selvagem" seu melhor prato, milhões de trabalhadores submissos, conformados com baixos salários, governados pelo pulso forte do regime comunista, mas servindo aos interesses das grandes corporações.
Onde está a cobrança acerca dos direitos humanos, que tão justamente é aplicada a Coréia do Norte e Cuba?

Anônimo disse...

Querido Renato, compreendo taoísmo e capitalismo como duas criações distintas da humanidade. A primeira como uma forma de vida, a segunda como um sistema organizacional- dividido em classes e que admite na sua essência a exploração do homem pelo homem.
Mas é estranho perceber como coisas diferentes podem se misturar e coexistir. É como ver esse mundo, onde existe a guerra e a poesia, a fome e a alegria...É como pensar em Mao e Che, em Bush e Allende.
Adorei pensar nesse assunto. Obrigada pela inspiração!
Laura Schühli - Quatro Barras (PR)

Anônimo disse...

Modernell, em nome dos colorados perdidos na poeira da internacional socialista, acho bom tu explicares melhor o que significa a frase "o individualismo tem uma espécie de nostalgia humanitária".
Geraldo Hasse, de Osório, RS

Anônimo disse...

Caro Renato,
O taoísmo não salvará a China, assim como nem Jesus Cristo salvou o ocidente (aliás, devo a ele a idéia de que haveria alguma salvação).
Mas é um alento você lembrar que existe outra maneira de se combinar as forças (yin-yang)que não seja forçar a barra até explodir tudo.
No inconsciente também não há contradição. Sim e não existem, simplesmente. Mas até hoje não conseguimos dormir com um barulho desses. E quem, além de Lao Tsé e a corte dos sábios, aceitou a alternância de poder? ô vida.
bjs
déborah

Fluidometria disse...

Ausente, acabei lendo tudo isso, mas o sabor das mudanças - se caberão no momento ou se valerá cada traço novo... deixo em aberto.
Meu amigo chinês - o Teng Ming Tung - entendeu meu ponto de vista e se aquietou, mesmo lembrando que desde o primeiro dia de aulas, parei para ouví-lo.
Pedi que ele me desse um tempo e me escutasse -ele - um pouco.
Acho que deu certo. E ele foi o primeiro jovem que pintava os cabelos compridos de vermelho - em plena ditadura brasileira, veja só!
Viva as mudanças.
Beijos,
Miriam