domingo, 6 de abril de 2008

PATO E AS MUSAS

Não sei quem disse isto: “Ter talento é acertar o alvo que ninguém acertou, e ser gênio é acertar o alvo que ninguém viu”. A frase me veio em mente ao assistir àquele gol de Alexandre Pato na vitória do Brasil sobre a Suécia, semanas atrás, em Londres.

Pato pressentiu um caminho impensável para a bola num instante do jogo em que ninguém (nem ele, talvez, um segundo antes) poderia esperar um chute direto ao gol. Aquele atalho não fazia parte da nossa experiência anterior. Agora faz.

A beleza do futebol reside na relação entre os movimentos do corpo e os movimentos da bola. Gostamos de ter a impressão de que são coisas independentes, mesmo sabendo que não são, nem poderiam ser. Na arte também é assim. Quando vemos Bill Evans tocar piano (no You Tube há magníficos trechos de concertos dele gravados em Oslo na década de 1960), temos a sensação ilusória de ouvir mais notas do que as teclas que ele de fato aperta. O sentido geral é de uma economia de movimentos, como na caligrafia oriental. Ali está a essência.

Assim é o jeito de Pato jogar. Como Bill Evans toca. A precisão do toque é tamanha, na bola ou nas teclas, que o resultado como que ultrapassa a intenção ou o impulso inicial, tal como deve acontecer, suponho, dentro de um acelerador de partículas atômicas. É como dizer em relação às coisas da vida: bah, vamos deixar de nove-horas, vamos logo ao que interessa.

Existem outras maneiras, prolixas, de fazer coisas geniais. A bicicleta de Leônidas, a paradinha de Pelé, a ginga de Garrincha, a pedalada de Robinho. Porém essas todas são situações nas quais os movimentos do corpo excedem os movimentos da bola. São coisas exuberantes, “barrocas”, assim como costumam dizer do estilo literário de Saramago, cheio de digressões. Nada contra. Estou aqui para aplaudir.

Só que, no caso de Pato, às vezes nem dá tempo de aplaudir. Antes do prazer, vem o espanto, como em Bill Evans. Quando a gente vê, já foi. É o tipo de genialidade que eu chamaria de econômica: já dá origem a uma coisa passada a limpo. Como na folha-seca de Didi. A gente gostaria que a vida fosse assim. Mas ela não é.

Como consolo, resta-nos acompanhar a fulgurante carreira internacional de Alexandre Pato. A exemplo de Falcão, que também foi para a Itália, esse garoto genial sabe honrar as musas do Beira-Rio.

5 comentários:

Unknown disse...

Renato:
Mais um bom domingo em que nos brindas com um de teus brilhantes textos.
Sou obrigada a discordar quando dizes:"a gente gostaria que a vida fosse assim".E acrescento, nela não cabe tanta objetividade.É necessário curtir o prazer com lentidão.O que já vem pronto assusta, mas não é, necessariamente, perfeito.Talvez mera obra do acaso.
Grande abraço.

Anônimo disse...

Não Renato!
A rapidez tem que existir em alguns momentos.
Se acontecer sempre, não teremos a rapidez de raciocínio para acimpanhar com avidez o próximo passo.
Existem os momentos que nos marcam, estes sim, a beleza do ato ou o instante do vexame.
Portanto, deixa estar esta e outras lembranças no momento e na recordação do: COMO?
Vou aguardar esse novo instante.
Beijos,
MIRIAM

Anônimo disse...

Não Renato!
A rapidez tem que existir em alguns momentos.
Se acontecer sempre, não teremos a rapidez de raciocínio para acompanhar com avidez o próximo passo.
Existem os momentos que nos marcam, estes sim, a beleza do ato ou o instante do vexame.
Portanto, deixa estar esta e outras lembranças no momento e na recordação do: COMO?
Vou aguardar esse novo instante.
Beijos,
MIRIAM

Um Professor Indignado disse...

Esse fanatismo por futebol ainda vai destruir este País, meu caro. Nada contra o rapaz, mas não tenho o mínimo interesse pela carreira dele e de outros jogadores de futebol. Aqui em São Paulo já estou me armando para as guerras entre os torcedores do Palmeiras e do São Paulo - sou vizinho das três torcidas uniformizadas do Palmeiras, um bando de marginais, sem passado, presente e futuro. O que dói é ver pessoas que estudam tanto serem obrigadas a mendigar salários, enquanto esses geniozinhos do futebol vivem nababescamente.

Priscila Ferreira disse...

O Pato realmente beira a genialidade assim como o Fenômeno, Pelé e Garrincha beiraram.Talento? Habilidade? Dom. É como sempre digo, não é o que se faz, é como se faz, sempre.Poucas pessoas conseguem por em prática esse "segredinho". Rápido ou devagar, o rotmo não é o mais importante e sim o jeito.

Ótimo texto professor!