domingo, 29 de junho de 2008

O HOMEM QUE ESTAVA LÁ

Em prateleiras empoeiradas, deparo com revistas esportivas francesas que comprei durante a copa de 1998. Faz dez anos. Zidane.

Não só Zidane. Houve a convulsão no hotel, as suspeitas de trambique, tudo aquilo. E me lembro de um detalhe: na copa da França, pela primeira vez, o número de fotógrafos superou o de jogadores.

Da tribuna de imprensa, eu me espantava ao enxergar, lá embaixo, o tropel dos fotógrafos em busca das melhores posições à beira do campo. Um jogo de rúgbi. Às vezes, mais disputado do que a partida que eles iriam fotografar horas depois. E todos eles com um peso de não sei quantos quilos nas costas.

Apesar das hordas de fotógrafos em torno do campo, o que eu via depois, nas bancas, eram fotos muito semelhantes entre si. Previsíveis. Nada autorais. Pareciam feitas pelo mesmo fotógrafo. Mas claro. No campo, eles mal tinham espaço para se coçar. Trabalhavam sob o bafo do sujeito ao lado. Quase podiam espiar pela objetiva alheia. Que graça pode ter isso?

Ponha dez pintores, de Giotto a Miró, para trabalharem juntos no mesmo estúdio. Cavaletes encavalados, modelos entrelaçadas. Imagine o resultado.
< Que ótimo, a história da arte seria o samba do crioulo doido.
> Não creio. Acho que seria o samba de uma nota só.

Diante da mesmice de imagens, eu imaginava a besteira subseqüente, que relato sem pejo. Suponhamos que a Fifa, na copa, credenciasse não quatrocentos fotógrafos, nem quarenta. Apenas quatro. Escolhidos por sorteio. Melhor ainda, por concurso, por clicagens. Quatro. Mas cada um desses quatro teria liberdade para se locomover à vontade ao longo de cada uma das linhas externas do campo. Iam produzir obras-primas.

Imagine a voz de Fiori Gigliotti a ecoar no velho Pacaembu:
< Na linha de fundo do lado da concha acústica, temos hoje Sebastião Salgado! E no lado oposto, o dos portões monumentais, Henri Cartier-Bresson! Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo, torcida brasileira!

Não fossem tantos os fotógrafos, talvez tivéssemos mais fotos que valeria a pena guardar para sempre. Chega de saudade. Vou é jogar no lixo aquelas revistas. Cansei de ver tanta foto de Zidane a levantar a taça. Bah, tudo igual. Será que aquele sujeito lá em cima foi o único que registrou a convulsão do Ronaldaço? Dizem que foi ali que se decidiu aquela copa.

6 comentários:

r a c h e l disse...

Oportuno teu texto. Vou começar um curso de fotografia semana que vem. E sabe, eu penso isso. É o olho que vê. Não é o óbvio. É justamente o contrário...

Bisous!

Anônimo disse...

Sinceramente, acho que se 10 pintores como Giotto e Miró pintassem um mesmo vaso simples, do mesmo ângulo, teríamos 10 obras primas.
Já as centenas de fotógrafos de hoje, pelo que se vê nos jornais e revistas, raramente conseguiriam uma foto surpreendente. Eles estão lá para preencher os espaços das matérias com qualquer coisa, pois infelizmente, a gente consome qualquer coisa.
abraço
Antonio

Anônimo disse...

Inspiração, momento, circunstância e aqui teríamos novas fotos, retratos falados, uma nova história.
Hoje a diferença não existe. Meu álbum de Formatura de 85 seria muito mais bonito. Mas naquela vez só pude ter umas 05 fotos.
A Formatura de 2006 mostra a mediocridade onde a imagem se repete em 05 imagens e 36 ou 52 ou infinitas variações em pb, cores, sombras e não há alegria, o ângulo não é perfeito e somos "convencidos" de que só aquele álbum foi feito.
O ridículo é de quem subverte o poder.
Mídias das mais variadas mas só o publicitário deve vender melhor.
Nos tornamos medíocres na liberação da criatividade.
Criatividade pra quê?
Temos que seguir a mediocridade porque a coragem de enfrentar as Máfias significam a morte pessoal, da família e do meio.
Hoje até 1968 de George Orwel ou 2001, com a fantástica visão de DEUS na sua primeira hipótese, são quebrados no ritmo da MATRIX.
aqui não se deve cultuar a beleza, a verdade e a ilusão da verdade pessoal única.
Temos que ceder ao mundo do "tudo igual", pois arriscar ser um e diferente é mortal, nos combates de Devil qualquer coisa, em XBOX, Playsistem, Wii...
Somos a mistura de tudo e o nada representados na foto, com material de exposição de primeira e igualdade de sensações em última característica de produção.
Criar é perigoso.
Expor idéias é perigoso.
tornar o impresso local de raciocínio é aviltante.
Pra que escrever e expor o que se observa, se tudo é uma grande MAIA (ilusão)?
Expor lindas imagens, textos onde se possa pensar,... estou sentindo farpas de alguma madeira em meus dedos... ou será de ferros em estado de decomposição, enferrujados, queimando minhas vistas e meu coração?
Adorei teu texto!
Beijão,
MIRIAM

Unknown disse...

Renato, o pior é que somos impotentes para dar um basta à padronização.Observamos, criticamos,tentamos (e na maioria das vezes até conseguimos)ser orginais, mas originalidade não é mais vendável.À mídia só interessa o que dá lucro. Quem quer saber de leitores inteligentes, de olhares argutos, de seres que pensam? Eu respondo: a meia dúzia que acessa o teu blogger regularmente. Grande abraço.

Priscila Ferreira disse...

Sempre, sempre, sempre mais do mesmo...rs, não faltam apenas bons olhos, nem somente boas lentes, mas boas mentes principalmente.

Unknown disse...

Discordo do "samba de uma nota só" se pintores de Giotto a Miró estivessem diante de um assunto.Além dos olhares diferentes,as mãos não dariam apenas um click, mas milhares de pinceladas com mãos e pincéis muito diferentes.
Isto para nem falar da grande diferença entre almas e mentes...
Abraço
Marijô