O escritor holandês Cees Nooteboom, que há pouco esteve no Brasil, é um globe-trotter. Deixou seu país aos dezessete anos em busca dos cenários luminosos da Europa meridional: Provença, Itália e por fim a Espanha, onde se fixou. Mora lá boa parte do ano, quando não está em trânsito por outras longitudes.
Seu livro Caminhos para Santiago – Desvios pelas terras e pela história da Espanha é uma obra formidável no gênero narrativas de viagem. Poucas vezes alguém conseguiu penetrar tão fundo nas veredas de um sertão que não é o seu, de nascença.
Numa entrevista em Paraty, perguntei a Nooteboom por que se encantou com a Espanha. Ele saiu pela tangente. Refletiu: nós nos apaixonamos por um país assim como por uma mulher, sem saber bem por que esta, e não aquela. Depois, respondeu a contento. Disse que a Espanha o fascina por ter uma zona quase desabitada no centro, em contraste com sua superpovoada Holanda. Para ele, encontrar esse vazio foi encontrar a liberdade.
No último romance de Nooteboom, Paraíso perdido, duas garotas de São Paulo se aventuram pela Austrália. Uma delas se envolve com um aborígene e sente uma atração irresistível pelo deserto (o vazio) que há no meio do país.
Não vou abusar da paciência de ninguém com a hipótese de que essa garota possa ser o alter ego do autor. Nem forçar a barra ao comparar o vazio demográfico, que atrai Nooteboom e sua personagem, ao vazio de que falam os budistas, o almejado estado mental em que cessam as necessidades e pensamentos.
Porém não deixa de ser significativo que viajantes sensíveis consigam se mover em busca de espaços amplos e desabitados. Ali deve haver energias sutis que as agências de turismo ainda não conseguiram empacotar.
Quantos vazios nos restam neste mundo globalizado por Deus, e bonito por natureza? Muitos, segundo Nooteboom. Ele viaja, viaja, viaja, e se dá conta de que cada vez viajou menos, pois ao viajar detecta vazios insuspeitados, na contramão do turismo.
O turista comum vive na ânsia ou na ilusão de que é possível conhecer tudo, ou quase tudo. Não dá valor ao vazio, nem se importa com isso. Vai ver, lá estão as vozes que o cara não quer ouvir.
7 comentários:
Pois saiba você que eu ando com coceiras de ir pro Atacama solita e com meu Notebook. Não deve rolar um boom, já que ainda estou engatinhando no processo de escrever cosas. Pero que hay algo en el deserto, hay.
Quando volver, lhe conto.
Renato, também eu se encontrasse o vazio/liberdade viajaria muito,passaria ao largo das atrações turísticas. Por isso prefiro ficar em casa e curtir minha liberdade, o que de mais precioso o homem pode desfrutar.
Grande abraço.
Norma.
Renato, depois de algum tempo não aguentei o vazio (estaria eu lá?). Quando olho o meu caminho vejo que sempre alternei entre vazios e multidões. Ou seriam diferentes tipos de vazio? Ou de multidões? Nos vazios externos parece que estamos mais no controle pois o povoamos como imaginamos e nas multidões nossos vazios interiores se tornam mais evidentes. Ou seria o contrário?...
Sua fala me remete ao vazio fértil. E me lembra Pessoa:
"Para ser grande, sê inteiro; nada teu exagera ou exclui.
Sê todas as coisas.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha.
Porque alta vive."
abs
Lucila
Adoro o meu vazio, e nele só deixo entrar o que eu quero - como teu Blog. bjs.
Querido Renato!
Senti tua falta, mas quem está buscando este deserto interior/exterior sou eu.
E ainda falta muito para encontrá-lo nessa busca interna.
Estou me reprogramando pra vida, pois este último meio século e a transição do século XXI está me atordoando e deixando perplexa perante a imensidão das mudanças de comportamento - minha e dos outros, a bem dizer da verdade.
Também a minha "pobreza" não permite viajar o mundo com o despreendimento que suponho meu de direito.
Mas tuas viagens me ajustam o pólo e o futuro incerto.
Por enquanto, prefiro poder encontrar-te em meu e-mail.
Aguardo mais um sinal para mudanças nestes tempos mais carregados nas tintas das dúvidas do que das decisões, ainda não tomadas.
A velha bruxaria diz que devo estar calma e aguardar estas novas seqüências da vida para seguir uma vida natural.
Você, aqui, me permite pensar em tudo isso para justificar-me, então - por enquanto - não me esqueças nestes big textos do mundo, como dizia meu pai.
Beijos,
MIRIAM
Renato, você me fez lembrar Graça Aranha que, contemplando o Vale de Canaã, no Espírito Santo, escreveu: “O Brasil é um deserto de homens e idéias”. Muitos pensaram, então, em suprir essas duas deficiências nacionais. É claro que aumentar a população é bem mais fácil que ter boas idéias. Assim, estamos acabando com os espaços pouco povoados, mas, não sei se aumentaremos nosso acervo de boas idéias.
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