O filme Ensaio sobre a cegueira não é uma obra-prima. Tem chão até lá. Mas consegue transpor à tela uma alegoria acachapante da crise de percepção em que vivemos hoje.
Tanto no filme de Fernando Meirelles quanto no romance homônimo de Saramago, no qual se baseia, a epidemia de cegueira se expressa numa mancha branca. Branca, não preta, como em geral se imagina. Em vez da falta de luz, um excesso, uma exorbitância. O efeito é o mesmo: a paralisia.
Não duvido de que estejamos mesmo diante do declínio do império americano, o império dos números, do excessivo. As torres do World Trade Center continuam a ruir, e os bancos quebram. Mas também pode ser outro exagero midiático como a gripe aviária e o "bug do milênio".
Quem consegue, hoje, separar o joio do trigo? Uma breve zapeada na memória. Alan Greenspan nos dizia que o mercado tem juízo, está disposto a praticar o bem. E Lula assegurava: o Brasil está a salvo da turbulência mundial, Deus é brasileiro.
Qualquer tolice pode ser sustentada em números. Eles hoje são tão velozes, tão voláteis, que se tornaram evasivos como as partículas sub-atômicas. E a mídia funciona como um grande acelerador. Qualquer irrelevância pisca com as cores do arco-íris nas telas de cristal líquido.
Ouço dizer que a turbulência atual se origina da crise de confiança no sistema financeiro. Portanto, é imponderável como qualquer epidemia. Nunca ouvi ninguém dizer o que me parece plausível: que a crise de confiança, por sua vez, resulta do excesso de informação.
O vomitório de números a que estamos submetidos, no metrô ou no elevador, nos ilude com a falsa sensação de que estamos bem informados. Patranhas. Se a velocidade da informação supera nossa capacidade de processamento, ela é desumana. Não nos serve, nos cega.
Alguns opiniam que a crise atual, por mais dura que seja, servirá para sanear a economia mundial. Oxalá venha a servir também para re-humanizar a mídia. Se os meios de comunicação funcionam como aceleradores de partículas, jamais haverá luz no fim do túnel. A mancha branca é igual à mancha preta.
5 comentários:
Renato, o “mercado”, que você tão bem definiu no post “A fúria de Poseidon”, é mesmo um ser movido pela emoção, não pela razão. Talvez haja pessoas que saibam conduzir a emotividade dos outros no sentido desejado, formando o sentir do mercado. Neste momento, o anúncio da fusão do Itaú com o Unibanco provocou forte alta das ações do primeiro. Mexe-se uma carta aqui, outra acolá, e o panorama fica totalmente diferente da véspera. A bolsa, que estava em baixa, começa a subir. É um ramo para quem gosta de emoções fortes e não vê o mundo pelo prisma racional.
Renato
essa é A SENTENÇA "Se a velocidade da informação supera nossa capacidade de processamento, ela é desumana. Não nos serve, nos cega"
Grande verdade! parabéns
Carlos Carrion
Olá Renato!
A mídia saneada não acredito que seja desse tempo, pois mil interesses levam a explosão de números, idéias e concepções, nem sempre verdadeiras, de a quantas e para onde estamos indo.
E - Se os meios de comunicação funcionam como aceleradores de partículas, jamais haverá luz no fim do túnel. A mancha branca é igual à mancha preta. - me faz lembrar que tanto uma como outra, como bem dissestes no início, nos deixam cegos.
O excesso ou a falta de um aplicador amplo de iluminação, impede que vejamos o que possamos seguir e qual o melhor caminho para fazê-lo.
Estamos num abismo de escolhas e onde ver impede saber se escalaremos ou cairemos num abismo, eternamente.
Mas isso faz pensar em que algumas pessoas estão usando a espionagem e o conhecimento, com o abuso de direito, nos roubando a vida e tudo que possamos conquistar.
Valerá a pena seguir em frente com essa constante negação da pureza e honestidade ou é melhor pegarmos a arma da digitação, da plenitude energética e moderna, para reduzir sonhos e ilusões ao inferno da consciência e sem o descanso de poder ter feito o melhor a si e ao futuro do gênero humano?
Há que se pensar muito se teremos uma LUZ no fundo do túnel e que nos permita ver qual degrau pisamos.
Será que viva estarei então?
Teremos tempo de dialogar sobre isso?
Esse mercado quer dizer que agora degringolamos o abismo?...
Tomara ainda consigamos estar firmes quando a resposta chegar.
Beijos,
MIRIAM
Uma saída é estabelecer prioridades, usar nossa capacidade seletiva para não se perder num mar de informações. É assim; cada um com a sua coisa! Agora, literatura da boa como a que você faz apazigua a alma. Beijo grande.
mas os deuses regem o mundo da irracionalidade, renato. o mercado é a racionalização das relações econômicas. crises, crashs, manias, pânicos [título d um bom livrinho do kindleberger] são momentos em q essa racionalidade é suspensa.
ótimo blog. só acho q muitos dos textos q vc pôs no seu site poderiam figurar por aqui, tb.
abração e até mais.
Postar um comentário