É uma maravilha voltar a ler livros por prazer, depois de quase dois anos de dedicação intensiva (compulsiva) a um trabalho acadêmico. Uma tese é como uma viagem de negócios: jamais será como uma viagem de núpcias.
Emprestaram-me um livro cuja capa talvez não me atraísse na livraria. E o título é meio apelativo: Elza, a garota -- A história da jovem comunista que o partido matou. Sugere denúncia, contundência, uma patacoada do tipo "nunca antes neste país" etc.
Nada disso. Trata-se de um romance histórico bem pensado e muito bem escrito por Sérgio Rodrigues, mineiro nascido em 1962 e radicado no Rio. Poucas vezes vi um jornalista tirar partido do grande atributo da profissão -- o traquejo para captar e processar a informação -- sem produzir um texto com ranço de revista. Refiro-me ao tom da narrativa, à maneira de articular as idéias, de construir as frases.
Formidável. São 238 páginas de leitura prazerosa. A protagonista da trama, Elza, é uma adolescente ingênua que é tida como traidora e estrangulada por membros do Partido Comunista, então clandestino e perseguido por Getúlio Vargas. O provável mandante do crime é Luiz Carlos Prestes, que mais tarde admitiria o erro, mas não sua responsabilidade direta. O grande erro, para Prestes, é que a morte de Elza beneficiou Vargas.
Elza viveu em um tempo no qual capuzes, senhas, codinomes e covas de fundo de quintal ocultavam as pessoas inconvenientes. No Brasil da década de 1930, a única coisa visível a olho nu era o antagonismo representado pelas figuras de dois gaúchos miúdos que carregavam epítetos gigantescos: "o cavaleiro da esperança" e "o pai dos pobres". Prestes e Vargas, respectivamente.
Acho que não faria lá grande diferença se invertêssemos hoje esses dois epítetos, um de origem literária, outro de origem bíblica. Quem iria reclamar? Se os fins justificam os meios, a ideologia é uma coreografia. Então ficaríamos assim: Prestes, "o pai dos pobres", e Vargas, "o cavaleiro da esperança".
Por que não? Escolhemos nosso inimigo pelo quanto ele difere de nós, e ao combatê-lo nos tornamos cada vez mais parecidos com ele. Os grandes líderes sabem disso, suponho, mas não se importam nem um pouco. Caso se importassem, não seriam grandes líderes, como Prestes e Vargas. Seriam miúdos, como Elza.
9 comentários:
Renato, maravilhoso texto foi esse seu, essa análise simples e não simplista dos dois baixinhos gaúchos. Vou deuxar o tempo passar, vou copiar isso que você escreveu, dizer que é coisa minha, vou me consagrar. Prepare-se para me processar. Abraços, Carlos Carrion
Legal. Vou ver se arrumo um tempo para ler. Continue a dar-nos dicas de leitura, assim a gente não compra muito gato por lebre. O livro já está tão caro! Temos um novo Getúlio na presidência. Ele às vezes se espelha em JK, mas, é assistencialista como Getúlio. Como o capo gaúcho, também, pode ser chamado de pai dos pobres e dos ricos.
Lindo texto Renato.De antemão senti uma profunda melancolia por esta menina e lendo o comentário de Mauricio fiquei imaginando como a história chamará nosso presidente-sindicalista, 'pai dos ricos'? Quanta esperança este outro cavaleiro apresentava, o que resta agora? Parece mais compromissado com sua imagem do que com o bem estar do seu próprio povo, esquece ele que depois da presidência terá que sair do 'parque temático' que é Brasília e voltar ao Brasil?
Elisa, o Molusco voltará nos braços do povo, em 2014. Principalmente, se for eleito alguém do PSDB, entre o Vampiro e o Namorador. Pobres trópicos, cujas lideranças transformam a política em meio de vida. Só um Senador custa quase 200 mil reais mensais ao povo brasileiro. Eu convivo com gente discípula de Karl Marx; é este no Céu e Deus na Terra. Toda ideologia ou religião leva as pessoas a se fanatizarem algum dia; para resistir, a regra é uma só: manter a mente sempre alerta. Para quem se interessar, sugiro a leitura do livro Previsivelmente Irracional, de Dan Ariely, professor do MIT e da Sloan School of Management. E, Renato, essa foto sua lembrou-me dos tempos da FAAP.
Renatone: conheço a história de Elza, contada por alguém do nível de Jacob Gorender, testemunha da decisão. Essa história é uma tragédia. Alguém da cúpula, cujo nome não me guarda a História, apanhou Elza, uma Garota, realmente, como namorada-amante. Elza começou a saber demais -- numa época em que não saber era uma proteção. Sentiu-se desprotegida pelo companheiro, que, afinal, arrumou boa razão para livrar-se dela. E lá se foi Elza, uma Menina, em nome da segurança do stalinismo e do Komintern. Responsabilidade do companheiro que, na realidade, era um aproveitador e deixou-a ir em nome da segurança stalinista. Abaixo o stalinismo.
Na verdade: abaixo os stalinismos.
Na verdade: abaixo os stalinismos.
Oi, amigo Renato: sua crônica causa comoção. Mas vítimas como Elza foram tantas: Olga, Iara (a companheira de Lamarca)e antes dela, foram sacrificados os filhos e a esposa dele, e muitas outras que não serviram de inspiração literária.
As vítimas do passado tornam-se, por vezes, algozes no presente.Passam a cometer os mesmos erros que outrora combatiam. Tomem-se como exemplo alguns participantes do MR8,que hoje integram a cúpula do governo Lula: Dilma, Dirceu, Carlos Minc (o do coletinho ridículo) e tantos outros...
Abraços
Adélia Dias Baptista
Obrigada pelos textos Renato. Sempre um prazer ler o Adjazzcências. Abraço, Carla Campos
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