
Na evolução dos seres humanos, porém, não se sabe bem por que, esse patamar de normalidade deu um pequeno salto para 36,5 graus. Em outras palavras, vivemos todos em um tênue e contínuo estado febril. Nem o levamos em conta, pois o assumimos como padrão de normalidade.
Vamos abordar a questão não apenas pelo lado biológico, mas também musical. Assim sendo, podemos considerar esse excesso de meio grau de temperatura como equivalente a um semitom. Um fá sustenido, por exemplo. Coisa pouca, nem sentimos a diferença. Assim como não sentimos que, em termos de condições emocionais, já nos habituamos a um patamar abaixo das outras espécies. Estamos, por assim dizer, em ré bemol.
Pode parecer estranho. Mas não vivem dizendo que a depressão é a epidemia da modernidade? Se alguém duvida, basta lembrar que, só no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária contabiliza 130 tipos de antidepressivos. Muito mais, imagino, do que as marcas de cerveja existentes no mercado, e que os comerciais de TV nos apresentam como o elixir da alegria.
Enfim, o corpo em fá sustenido, a alma em ré bemol. Quem sabe a civilização inteira tenha resultado da ação combinada desses dois semitons. Eles nos permitiram proezas como sair da caverna, dominar o fogo e, em tempos mais recentes, estourar pipocas no micro-ondas, cousa esta que deve intrigar os cachorros e os gatos. Mas o facto é que as dissonâncias de temperatura nos deram uma afinação diferente das dos outros seres vivos.
Não sei se somos mais felizes do que a pantera, a loba e o leão, animais que bloquearam o caminho de Dante para a colina luminosa quando ele se viu perdido na selva escura. Os atributos associados às três feras que o poeta teve de encarar são respectivamente a luxúria, a avareza e o orgulho. Cousas estas que, por sua vez, podem ter sua origem nas pequenas variações de temperatura com as quais, aos poucos, fomos nos acostumando a conviver.
5 comentários:
Caro Renato
Comportamentos dissonantes com a natureza ou não, a realidade é que temos desafinado desde que inventamos a pedra lascada. Hoje, ecologicamente, somos uma corneta de torcida de futebol querendo espaço numa orquestra sinfônica.
Abraço
Antonio
Creio que estejamos incorporando, à vida humana, duas situações radicalmente opostas: de um lado, a Ciência, com suas maravilhas tecnológicas, que permitirão ao ser humano viver bem até os 120 anos; do outro, um crescimento demográfico, incontrolável, que atingirá a marca de 10 bilhões de seres humanos, até 2050, pelo que li em algum lugar. Desses 10 bilhões, teremos por baixo uns 7 bilhões de doentes, fumantes inveterados, obesos, alcoólatras, viciados em drogas, deprimidos, suicidas em potencial, psicopatas, neuróticos, etc. E, dos demais animais, sobrarão, se muito, aqueles que forem domesticados e presos em zoológicos. Ou alguns insetos, que provavelmente herdarão o que sobrar da Terra.
Caro Renato,
Realmente, não fomos criados (ou evoluídos) pra esse modo de vida que temos hoje. Daí vêm a Depressão, a Ansiedade, a Obesidade, a Impotência sexual, sei lá o que mais... Males do nosso tempo...
Abraços, Carlos Carrion
Estimado professor Renato,
fico embasbacado com seus textos. Sem exagero algum, tenho-os de modelo para os meus, os quais publico no Da Prosa a Poesia. Espero ter um domínio tão belo da língua quanto você possui.
Mais uma vez, minha humilde e sublinhada ADMIRAÇÃO.
Grande abraço
Caro amigo Renato: preocupa-me o stress diário a que somos submetidos:trânsito caótico, política desavergonhada, economia instável, insegurança em casa ou na rua, epidemias e tantas coisas mais que fazem de nossas vidas um inferno muito mais dramático que a "selva oscura,selvaggia e aspra" de Dante. A sensação de impotência diante de tanta patifaria leva à depressão, que já pode ser considerada um problema de saúde pública.O jeito é ir à farmácia...
PS - uma curiosidade: fá sustenido é igual a sol bemol e ré bemol é o mesmo que dó sustenido.
Abraços
Adélia Dias Baptista
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