domingo, 13 de setembro de 2009

O DOCE DO REI ALPINISTA

Acharam meus últimos textos amargos. Vou falar de doces. Assunto relevante, por sinal. Lorca disse que para entender um povo é preciso conhecer suas canções de ninar e seus doces. Guimarães Rosa, ao receber um visitante de longe em seu gabinete no Itamaraty, pedia-lhe para falar sobre doces de sua região.

Na cidade de Rio Grande, muitos ainda acham que a Confeitaria Sol de Ouro foi a melhor do mundo. Bem, o mundo não foi consultado sobre isso. Talvez encontrássemos objeções já ali ao lado, em Pelotas. Em ambas as cidades, rivais, pululam toscas imitações
do creme rei Alberto, conhecido em São Paulo como creme belga .

O doce foi inventado para paparicar os soberanos belgas que visitaram o Brasil em
1920 e 1922, no centenário da independência. O rei Alberto I, herói da Primeira Guerra, alpinista, celebridade mundial, foi acolhido com entusiasmo e doou uma locomotiva a vapor modelo Pacific 370 à Estrada de Ferro Central do Brasil. Conheceu fazendas de café, usinas de açúcar e assistiu a um "match de football" no campo do Fluminense. Em um banquete, quebrou o protocolo e repetiu a sobremesa: o creme tricolor que ganhou seu nome. Morreria em 1934, de uma queda em um rapel, levando consigo a lembrança daquele doce de sabor inigualável que conhecera no trópico.

O creme rei Alberto que hoje encontro em minha cidade é um simulacro daquele que a Sol de Ouro fazia. Explica-se. Tornou-se difícil achar gelatina em folhas
para fazer a camada vermelha comme il faut. A camada amarela, feita de baba-de-moça, ressente-se dessas gemas pálidas que minha avó napolitana Luigia, doceira de mão cheia, teria jogado no lixo. Os tempos mudaram. Mas isto não justifica que cubram o doce com merengue. O branco não existe na bandeira da Bélgica. É uma heresia. Às vezes nem colocam a ameixa em cima.

O mundo preservou a versão original napolitana da pizza Margherita, com
as cores da bandeira italiana. Mas minha cidade aviltou uma receita clássica da Confeitaria Sol de Ouro e, por extensão, o pavilhão belga. Se isso gerasse uma questão diplomática com a Bélgica, o Itamaraty estaria em palpos de aranha. Não sei se pode contar hoje com um diplomata de visão abrangente como Guimarães Rosa. Ele sabia até os doces do sertão.

6 comentários:

Unknown disse...

Adoçou e aguçou meu domingo...estou indo ao cinema e na saída, com certeza um Creme Belga!
No retorno ao lar, post novo de cinema e + um Blog.
www.buscajobs.blogspot.com
Ainda com ofertas de publicidade, mas conto com ajuda dos letrados e jornalistas....

landão disse...

Renato: esse texto veio a calhar. Na semana passada recebi dos familiares do Sul vários doces caseiros (compotas, doce de abóbora e vinho familiar). A melhor forma de agradece-los é remetndo as delicias do texto 93!

Ricardo Chapola (CHAPS) disse...

Contesto o fato de lhes terem dito do amargor de seus textos. Pelo menos eu, que me considero uma pessoa cujo paladar é bem aguçado, percebi textos sempre muito doces. Entretanto, nunca é ruim versar de assuntos ainda mais doces, não é?

Parabéns mais uma vez. Um grande abraço!

Anônimo disse...

Boa essa, Renato, até informei isso (ele deve saber, porém, é bom avisar) ao marido de minha prima, o Dias Lopes - ex. Veja, ex -"Gula", hoje dono da revista "Gosto". Boa dica, boa lembrança, boa comparação com a "Marguerita". Carlos Carrion

Um Professor Indignado disse...

Renato, somente para você para escrever um texto desses. E eu de dieta!!!! Creio que os inventores dos doces, se o Paraíso existir, estão acima de qualquer divindade. Moro ao lado de um shopping agora, o Bourbon Pompeia, e é um sofrimento. A padaria deles é esplêndida, o pão de queijo é maravilhoso, os doces "importados" do Sul são inebriantes e o sorvete, então!!! Semiartesanal e barato, não tem igual. Faço até degustação; a cada mês, experimento um sabor diferente.

Unknown disse...

Renato, bela história. Anos atrás fui apresentado aos alfajores argentinos Havana, marca que alcança a excelência desse quitute dos hermanos. Eu já conhecia o alfajor caseiro lá na fronteira, claro, mas não o Havana, que costuma ser só vendido em caixas, pois se levar um só poderá provocar efeitos colaterais violentos com a crise de abstinência. Abs.