sábado, 5 de dezembro de 2009

UMA CRÔNICA DE VERÃO

Uns acham que a comunicação on-line empobrece o idioma. Que nem quando o rapaz digita à moça: "Qr tc cmg?". Ou será o contrário? Na tela do computador, todos os gt são prd, constataria o pesquisador Luís da Câmara Cascudo, se tivesse vivido a era da internet.

O internetês é só um modismo inócuo. Pode até ter certo grau de criatividade em suas simplificações. Suponho que a tendência à abreviação informal de palavras tenha existido sempre.
Há quarenta anos, para driblar a censura, o Pasquim cunhou expressões minimalistas como sifu e pqp! Hoje, coisas assim surgem aos borbotões, na tela. As simplificações se tornam mais visíveis, como tudo o mais a que temos acesso com um clique no teclado. Mas existiriam com ou sem a internet.

A língua, como a água, procura naturalmente o caminho menos íngreme, de preferência um declive, para ganhar velocidade. Não podemos condenar o uso do internetês pelos jovens, mesmo se parecem abusados quando deixam escapar abreviações como vc ou pq num texto acadêmico. Os mais aptos sobreviverão. Como sempre. Os jovens de hoje são apenas apressados e
ávidos por marcar sua presença no mundo, como nós também fomos. Até o dia em que se descobre que abreviar palavras não é o mesmo que criar atalhos no conhecimento.

Não temo que o internetês seja uma ameaça séria à saúde física e mental do idioma. Se fosse de fato uma invasão bárbara, com alto poder de contaminação, como temem os puristas, ainda assim não seria mais danoso que outros dialetos escabrosos que contam com a tolerância da sociedade. Um bom exemplo é o jargão da advocacia.

Tenho para mim que a lentidão da Justiça deve ser, em certa medida, uma lentidão de linguagem. O dito jurisdiquês, empolado e imperial, é o entulho linguístico de alguns séculos em que o Brasil foi pilotado pelos bacharéis.
O resultado disso é que nos textos judiciais ainda hoje pululam pérolas do tipo "o competente instrumento procuratório", "devolvo os autos à consideração superior" e "renovo a Vossa Excelência os protestos da mais elevada estima e consideração". Um moleque interneteiro, desses com a aba do boné virada para trás, daria um jeito nisso em dois tempos. Ou melhor, em duas teclas.

9 comentários:

Carlos Carrion Torres disse...

Boa, Renato! E ainda tem os Emoticons, aqueles desenhinhos feitos com os caracteres do teclado. Abraços, Carrion

Jorge Meditsch disse...

Oi, Renato,

Nos tempos anteriores ao fax e até ao telex, havia uma linguagem semelhante usada nos telegramas, para economizar caracteres (cada letra era transmitida por uma série de pontos e traços, manualmente, e isso tomava tempo e custava dinheiro).

Em lugar do ponto, era pt, da vírgula era vg, você era vc e as frases eram abreviadas, com os artigos e preposições suprimidos.

As notícias e artigos jornalísticos eram transmitidos assim e, posteriormente, "traduzidos" pelos redatores.

Não há nada de novo no internetês.

Pt saudações

Ricardo Gomes disse...

Não me arvoro de paladino da língua portuguesa mesmo porque teria que ter eu uma habilidade machadiana com a própria. Algo que assumidamente não tenho. Mas o internetês ou qualquer dos atuais atalhos que a língua tem tomado, sem dúvida, colaboram para a indigência de forma e conteúdo verificados diariamente. Assim como não me parece razoável usá-la de modo quase cifrado como fazem os advogados. Fazer-se entender é o mínimo que se espera de alguém que pretenda se comunicar com outro alguém. O acordo ortográfico recente, na minha opinião, empobrece sim a língua e não chega a torná-la mais acessível a um número maior de pessoas. Longe de mim a ideia de compactuar com o Cardeal Richelieu e transformar a língua portuguesa acessível a uns poucos eleitos. A popular história do bode na sala me vem à cabeça a cada trema ou acento suprimidos. Sem querer ser pedantemente erudito, esse não é, de fato, o maior problema da nossa última flor do Lácio.

Adélia disse...

Caro amigo Renato- O mundo atual sofre uma degenerescência ampla: no falar, no escrever, nas relações familiares, no respeito ao próximo. Há uma aura de deboche invadindo todas formas de comunicação e de cultura. Ridicularizar o passado é uma forma comum de reação entre gerações. È necessário, porém, que a juventude, ao renegar o passado, contribua com algo melhor.
Quanto ao juridiquês concordo com você, embora entenda que nosso Direito teve nobre
ascendência: o Direito Romano, ritualístico e avançado. Para a maioria dos jovens de hoje, cuja conversação é quase inteiramente monossilábica, que importância teria saber se o vocábulo notário vem da expressão latina: "notum sit homnibus hoc publicum instrumentum visuris?" Realmente nenhuma, já que nem o português eles falam...
E mais: entendo sua mágoa contra a Justiça, mas a morosidade dela se deve a outros fatores que emperram o andamento, excesso de recursos, funcionários desmotivados e mal remunerados, e a ausência quase que completa de informatização.As expressões afetadas não causam lentidão.
Aqui para nós, amigo querido: seus próximos livros serão em "dialeto escabroso" ou em "linguagem cifrada?"
Abraços
Adélia Dias Baptista

Anônimo disse...

Qd abrev txt v qr ganhr tpo p fzr o q?
Digitar taquigraficamente na informalidade das comunicações msn é apenas tentar trocar mensagens na velocidade de um papo cara a cara. O problema talvez seja, como acompanho em minha filha, que se traga o vício para a redação formal. A moçada jura que não acontece. Exagerando, me lembra alcoólatras afirmando que só bebem socialmente.
Abs
Antonio

Mauricio disse...

Caro Renato. Por um lado você tem razão; por outro, não. Concordo que o Judiciário ficaria muito mais célere sem as demonstrações de erudição dos juízes, que devem passar horas procurando a palavra mais adequada. O ministro Ayres Brito, do STF, redigiu um voto de 111 laudas no processo que deu fim à Lei de Imprensa. Em certos trechos, ele diz coisas assim: “Esparsas nuvens escuras a se esgueirar, intrusas, por um céu que somente se compraz em hospedar o sol a pino”. “A imprensa é a irmã siamesa da democracia”. Quanto à maneira dos jovens escreverem, acho contraproducente. Escrever é um treino diário. Se você não pratica, não aprende. Aliás, você sabe muito bem disso. Deve estar só “nos tirando”.

Um Professor Indignado disse...

Vivemos na época da tolerância. Não podemos dar bronca nos pequenos, porque eles podem ficar traumatizados para a vida toda. Não podemos reprovar ninguém no Primeiro Grau, porque todos devem concluir a escolaridade básica. No Segundo Grau, temos que ensinar somente o que cai no vestibular. E, na faculdade, nada de ensinar teoria; o que vale é a prática, mesmo que não se saiba a origem da mesma. E agora vem esse história do internetês. Sou velho mesmo; se me escrevem nessa "linguagem" sem pé, nem cabeça, finjo que não entendo e nem respondo. As outras mudanças no idioma foram "civilizadas", isto é, houve tempo suficiente para absorver o pqp e o sifu, por exemplo. Hoje, os internautas querem nos impor suas fraquezas e mediocridades. Estou fora.

Manuel Luis Modernel disse...

OIE Primo Renato,

Queria Vós deixar um tema para pensar em forma de Afirmativa, que vêm de encontro a tua Cronica de Verão:

"O Latim não é uma Lingua Morta, O Latim é o próprio Português falado nos dias de hoje no Brasil".

Existe a varios anos uma corrente de Catedráticos em Linguistica que tentam provar essa afirmativa perante a Academia de Letras (dentre eles meu tio Dionysio F. Modernel, teu primo irmão).

Eles basearam seu estudos acompanhando as diversas alterações técnicas que o Latim sofreu para se transformar e parar nas diversas Linguas Latinas, como ser Italiano, Francês, Castelhano (Espanhol), Português (de Portugal).

Ou seja desde os primordios, o Latim foi sempre modificado à modo de "IGUALAR A ESCRITA COM A FALA" e as técnicas usadas foram e ainda são as mesmas.

Veja um exemplo:
Strega > Strella > Estrella > Estrela.

Um grande exemplo disto é o fato que acontece nas fronteiras dos paises de linguas Portuguesa e Espanhola (Uruguay-Brasil) onde a linguagem "Mixturada" avança territorialmente mais em terras Castelhanas do que em terras Portuguesas, já que o Portugues se apresenta mais fácil de ser pronunciado.

O Portugues do Brasil é uma lingua em mutação, portanto ele não é mais Portugues e sim é o Verdadeiro Latim dos dias de Hoje.

atte. Manuel L. Modernel

mariaterezaprado disse...

Renato_

Comunicação e água. Toda força água rompendo obstáculos.O internetês, a poesia, as incompreensíveis letras cantadas por Liz Fraser em que mais valia a sonoridade das palavras do que o seu significado, a lembrança de dos personagens das Cosmicômicas de Calvino, la poesia hede de Manuel Graña Echeverry, os cronópios___os famas
esperanças...