segunda-feira, 8 de outubro de 2007

SEIXOS QUE ROLAM

De uns anos para cá, os jogadores de futebol passaram a chamar o técnico de “professô”. Pronunciam a palavra com reverência e orgulho, escandindo as sílabas, saboreando as vogais como se sorvessem o sumo de uma suculenta picanha.

É compreensível. Grande parte dos jogadores não teve os professores que deveria ter tido. Encontrar o mestre nessa figura paternal e autocrática do treinador é um jeito de redimir-se de um passado de desamparo social, nas periferias.

Já os universitários bem nutridos pronunciam a palavra professor com a brevidade de quem toma um iogurte num gole só. Dizem “p’fssor”, pulando as vogais. Também isso é compreensível. Quem usa muito certa palavra tende a simplificá-la. Não só por força do hábito, como porque o interlocutor é capaz de captá-la, digamos, por amostragem. Uma pitada dela é o quanto basta.

Assim como meus alunos dizem “p’fssor”, os portugueses dizem “P’rtgal”, não “Portugal”, com todas as vogais, como dizemos no Brasil. Penso nas palavras como seixos que rolam e aparam as arestas. Ao longo do tempo, desvencilham-se do que não interessa mais. Foi assim que “à vossa mercê” virou “vosmecê”, “você”, “cê”.

Talvez o português ainda venha a se tornar uma língua eslava, como uma daquelas que nos assustam pela profusão de consoantes. Não entendo desse assunto. Entendo talvez um pouquinho de seixos rolados, por vê-los rolar.

Acho perda de tempo promover uma reforma ortográfica na ilusão de unificar o português em países tão díspares. As mudanças propostas são irrisórias. Vai ser um furo na água. Além disso, não sei se teríamos a ganhar com uma uniformização. Isto é coisa de milicos.

O mundo em que vivemos não pode mais ser pensado em termos de grandes estruturas. Valores e costumes já não são questões nacionais, mas antes de tribos e bairros. Assim haverá de ser também com a língua e seus milhares de palavras. Os seixos precisam rolar.

5 comentários:

Unknown disse...

Renato, concordo contigo: a uiformização da língua portuguesa só vem a descaracterizar a peculiaridade de nossos hábitos linguísticos, tão arraigados, tão nossos...Afinal podemos nos comunicar, e bem melhor,mantendo as diferenças.Essa tentativa de padronização leva-me a crer num certo tipo de atitude preconceituosa que, como todas elas,é muito prejudicial.
Ainda desconfio que haja algum interesse econômico por trás disso tudo.
Abraço.

SahKelly disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
SahKelly disse...

A verdade é que, mais uma vez, a reforma está a começar pela parte errada... Um problema suplanta o outro, e o que parece mais simples (homogeneizar a linguagem) acaba por se tornar tão complicado quanto o aspecto que antes parecia o mais trabalhoso: os países falantes de língua portuguesa são, hoje, grandes referências em questões de violência, corrupção, miséria, entre outros "acidentes".
Abraços, "p'sor".
Sarah Kelly

Anônimo disse...

Olá, Renato! Achei interessante a comparação entre os jogadores e os univesitários. Alguns dos meus alunos me chamavam de Prof...
Boa semana!

*BethToth* disse...

E a linguagem na Internet, no MSM, nos e-mails, é de perder a fé, reformar e uniformizar a norma culta revela a distância existente entre as realidades. Acho que estou ensandecendo ou será que "já pirei de vez !!!"