De uns anos para cá, os jogadores de futebol passaram a chamar o técnico de “professô”. Pronunciam a palavra com reverência e orgulho, escandindo as sílabas, saboreando as vogais como se sorvessem o sumo de uma suculenta picanha.
É compreensível. Grande parte dos jogadores não teve os professores que deveria ter tido. Encontrar o mestre nessa figura paternal e autocrática do treinador é um jeito de redimir-se de um passado de desamparo social, nas periferias.
Já os universitários bem nutridos pronunciam a palavra professor com a brevidade de quem toma um iogurte num gole só. Dizem “p’fssor”, pulando as vogais. Também isso é compreensível. Quem usa muito certa palavra tende a simplificá-la. Não só por força do hábito, como porque o interlocutor é capaz de captá-la, digamos, por amostragem. Uma pitada dela é o quanto basta.
Assim como meus alunos dizem “p’fssor”, os portugueses dizem “P’rtgal”, não “Portugal”, com todas as vogais, como dizemos no Brasil. Penso nas palavras como seixos que rolam e aparam as arestas. Ao longo do tempo, desvencilham-se do que não interessa mais. Foi assim que “à vossa mercê” virou “vosmecê”, “você”, “cê”.
Talvez o português ainda venha a se tornar uma língua eslava, como uma daquelas que nos assustam pela profusão de consoantes. Não entendo desse assunto. Entendo talvez um pouquinho de seixos rolados, por vê-los rolar.
Acho perda de tempo promover uma reforma ortográfica na ilusão de unificar o português em países tão díspares. As mudanças propostas são irrisórias. Vai ser um furo na água. Além disso, não sei se teríamos a ganhar com uma uniformização. Isto é coisa de milicos.
O mundo em que vivemos não pode mais ser pensado em termos de grandes estruturas. Valores e costumes já não são questões nacionais, mas antes de tribos e bairros. Assim haverá de ser também com a língua e seus milhares de palavras. Os seixos precisam rolar.
5 comentários:
Renato, concordo contigo: a uiformização da língua portuguesa só vem a descaracterizar a peculiaridade de nossos hábitos linguísticos, tão arraigados, tão nossos...Afinal podemos nos comunicar, e bem melhor,mantendo as diferenças.Essa tentativa de padronização leva-me a crer num certo tipo de atitude preconceituosa que, como todas elas,é muito prejudicial.
Ainda desconfio que haja algum interesse econômico por trás disso tudo.
Abraço.
A verdade é que, mais uma vez, a reforma está a começar pela parte errada... Um problema suplanta o outro, e o que parece mais simples (homogeneizar a linguagem) acaba por se tornar tão complicado quanto o aspecto que antes parecia o mais trabalhoso: os países falantes de língua portuguesa são, hoje, grandes referências em questões de violência, corrupção, miséria, entre outros "acidentes".
Abraços, "p'sor".
Sarah Kelly
Olá, Renato! Achei interessante a comparação entre os jogadores e os univesitários. Alguns dos meus alunos me chamavam de Prof...
Boa semana!
E a linguagem na Internet, no MSM, nos e-mails, é de perder a fé, reformar e uniformizar a norma culta revela a distância existente entre as realidades. Acho que estou ensandecendo ou será que "já pirei de vez !!!"
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